sexta-feira, 22 de março de 2019

FICA FEIO

no final das contas a gente acaba aceitando ficar feio.
depois do primeiro amor ido,
da morte de um ente querido...
na rosa que a gente não compra pra moça
em pleno passeio!
no bar: na paquera que não olha,
na ligação que não atendemos, no lar, 
no tempo que não temos a dar...
a gente vai aceitando melhor este processo de feiura...
é isto, ou a loucura, ou acabar-se de uma vez.

a gente fica feio em incerta esquina
traduzidos no choro da menina
e numa conversa
em que a palavra escapa e se choca 
adversa contra um entendimento alheio.
no reputação e na consciência,
na paixão que não veio. 
é nossa sina!

a gente fica feio amplamente:
físico, psico, sócio, político, moralmente... 
cafonas ante uma moda.
retrógrados do futuro que não vimos virar presente.
de baixo pra cima a gente fica feio contra a lente.
no amor que se foi ficamos horríveis, 
sei que a gente não quer, 
mas entre gregos e troianos não tem jeito.
no tempo que passa, e não nos leva pra história!
no tempo que passa, deixando estes sulcos no rosto
esperando na janela 
ou adivinhando o fim da vida em frente ao espelho 
e o fim do amor na menina-dos-olhos da mulher
em esquecê-la e no esquecimento dela.
mesmo a coisa mais bonita
tem de feiura uma parcela.
que fazer? aceitar! a gente fica feio.
o receio antes e ante a plateia, o tremor, o gaguejar...
no nariz de uma filha, 
numa festa em família, 
isolados numa ilha,
na academia...
na planta murcha em nosso quintal
na vasilha vazia do animal de estimação
a fuga do existir dolorosamente para a arte 
eis o único meio!

a fome de beleza que a gente tem cotidiana é horrorosa.
é por isto que nos enfeita a prosa,
tal como a pele escondendo o visceral
antes que só os vermes nos restem de recheio
eu como o avesso, feio, me prefiro no verso.



CACOS DE LUZ

a luz era uma só, até que se quebrou em astros.

um dia as coisas mortas, exaustas de descanso, vertem-se em necessidade, se abrem e nascem. de pé fico a pensar se neste dia, tudo que está do querer descansando não se levantará! como me levantei! tudo que está dormindo acordará, como acordei. e deverá uma vida à luz. um dia a luz nos cobra a vida que nos deu, que só apagando paga.

quarta-feira, 20 de março de 2019


quer represar todo meu desejo, inaugurar-me uma usina e acender as luzes do seu viver.

DEPOIS DO CAMARIM

especial é o amor que tem dentro de você, atrás de uma porta fechada sentada na sala de espera para deitar. você só pode gostar de mim, menina, depois do camarim, no palco do teatro, aberta a cortina do nosso espetáculo. contamo-nos para a plateia como quem semeia prazer para colher sucesso na fôrma da inveja alheia. ela me quer como um sonho que não finda. acho ela linda como a suponho. um ser humano frustra o que o romantismo anseia, um entende que o outro falhou no que prometeu e desatamos nós em frustrados tu e eu.  a peça se encerra no meio, só há feliz final pro que começa mal. e os espectadores aplaudem de pé, entusiastas mundanos do prazer de não sentirem sós os desenganos.


terça-feira, 19 de março de 2019

Não se exalte

Não adianta levantar a voz ante aqueles que não têm poder suficiente para resolver seus problemas. E ante aqueles que têm poder, é muito prudente não levantar a voz.
Infantis creem demonstrar com rebeldia sua inconformidade e espírito valente: xingam em publicações: esticam o dedo médio, tatuam 'fuck you'... Estão fartos?! Quem não? Agressivos, urram com a manada! Enquanto isto, a sabedoria diz "bom dia" pra preservar o silêncio e evitar a histérica tolice pueril. Num tempo em que gritam e ostentam cartazes ofensivos, os sábios calam. Não é estação de colher com a razão um melhor convívio social. Resta indiferença e desprezo por estes atos débeis. É sábio acariciar a cabeça desta ingênuajuventude, seus manifestos são como latidos. Simples: afagamos os cães para adoçá-los, não os contra-argumentamos.

segunda-feira, 18 de março de 2019

nada pode concorrer com um sonho. a realidade é o que parece um defeito, algo que arrefece sem delírio. o mundo melhor é o que suponho, e não a claridade após o efeito de um colírio.
sobretudo não ter pressa. as palavras não alcançarão nada. por isso a tranquilidade em escrevê-las e em lê-las. calma! está tudo como pode, não há uma fórmula. as soluções não vêm em letras-hormônios que jogamos em nós como se fossem solúveis. nem bem absoluto nem mal também. uma vida de cem anos e uma vida que durou um olhar de meio segundo... qual a diferença para além da numérica? aliás, para o cosmos...  o cosmos não é sensível senão através do que vive. de resto, não sente nada! do nada para a ambição há prazer e dor. a dor é como um prazer acertando as contas e vice-versa. aterrisso melhor no sossego do conhecimento, do que me excitando com "a sombra sonora de um disco voador".

sexta-feira, 15 de março de 2019

- amor, você não queria casar, constituir uma família espalhada numa sala, jogando vídeo game, comendo pipoca...? 

- e você quer mesmo isto por um acaso?

- uai, amor, depende da marca do milho, né!