terça-feira, 30 de outubro de 2018

A FOTOGRAFIA



Sua fotografia inaugura uma distância difícil. O preto e branco da imagem parece resultar da onda de cores que quebra contra meu peito. Lamento ter uma alma quando esta é saber sua impossibilidade, quando esta é descrever-me incompatível... Ah! Olhando o silêncio fotográfico, sei o que quero. Quero os barulhos dela vivendo: ela quebrando um copo; a água de seu banho chovendo em meu deserto;  a porta abrindo melhor com sua mão no trinco. Quero que o vulto de sua existência, atravessando os corredores de chegar, rabisquem cotidianamente os cantos de meus olhos distraídos. Quando estivesse próximo, olhando em seus olhos, seria a plenitude, o mundo se tornaria um brinquedo. A busca deste sentimento raro, qual tudo que dura é breve, e o desejo de fazer da vida um rio que me desemboque nesta oportunidade é o que me faz continuar e suportar todo o mundo feio que não é sua moldura.

sábado, 20 de outubro de 2018

GÊNESIS


O Senhor Mercado formou, pois, o homem do barro tóxico das margens de rio feito esgoto da usina e, com hálito de televisor, sussurrou-lhe nos ouvidos um sopro de vida, e o homem se tornou consumidor.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

PÁTRIA, AMADA!


deixa fazer do seu sorriso,
de suas mãos,
de sua presença,
de sua cor,
de seu movimento,
o meu país?

cumplicidade é soberania.
gozemos nós uma igualdade
que o mundo não quis!

mas não! não sou um romântico!
sou um refugiado
se esgueirando entre os espinhos
do ódio semeado aqui,
onde em se plantando tudo dá.

antes da estação que uma farta seara
de corpos anuncia,
antes da cerca que separa,
seja o abraço o único campo
de nossa concentração

Quando um não quer, dois não vivem em paz!

PRECAUÇÃO



Pergunte "Como vai?"
Respondeu: "Tudo bem!"
Afaste-se!



Triste
tempo
claro

sábado, 13 de outubro de 2018

O CASACO BRANCO











décadas atrás, as mãos velhas de uma avó triste,
para aquecer e embelezar o que era dor,
desenrolando lento um novelo branco do chão,
consolavam-se em grandes agulhas de tricô.
tecendo para uma recém nascida angústia
este casaco que sou.

que apesar do carinho com que foi feito
e com que o guardam os seus
está encardido, apertado
e esgarçando

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

A CAMINHO DO FIM



quero de novo o sol em seu rosto,
as ruas de seus passos são acessos do sonho à realidade.
você esqueceu um riso anestético
e leves pegadas na minha memória.

através de sua sombra - colorida na saudade -
quero a manhã que anuncia sua vinda,
prestes a dobrar da ânsia a esquina em alegria.

você me faz querer  estar acordado.
junto à sua boca, à sua nuca, ao seu pescoço
colher infindos todos seus gemidos
a caminho do fim.