segunda-feira, 17 de outubro de 2022

ASFIXIA

 Uma certa noção de tempo me causa a sensação de que cada coisa dita, respiração letrada, me enfraquece o bicho... Me desfaz um pouco. Me enruga a alma. Cada palavra é algo não conseguido, uma confissão de que agora não gozo. Uma flagrante impotência, uma insatisfação na folga... As palavras me escapam não como desabafo, antes como um desperdício. Verso, prosa, colóquio de conversa amigável, são embalagens que disfarçam pretensões vencidas e deflagram uma nossa incompetência de ser animal.  Aah se ainda fosse aquela criança e seu cão entretidos com bolas de sabão, invés de lamúrias! Tem um aromático silêncio este outro ofício do ar, faz melhor proveito do oxigênio, pois então eu, co-autor em par com o vento de algum brilho. As bolas me levavam a vista prum passeio imprevisto, sem qualquer propósito esculpido por inquietudes. E o cão a estalar dentes inúteis, nós ali, herdeiros dos fins. Entre tantas bolhas soltas ao ritmo de uma mansa atmosfera, algumas que não decolavam da carcaça da caneta, natimortas, sopro perdido...  Também ensinavam, tantas,  a perda que há nas escolhas, em bolhas que fugiam da vista. E aquelas que sequestravam meus olhos para abandoná-los em pleno vôo, no que explodiam súbitas, tais como agora rebentam mudas lembranças transparentes... explodem estancando meus olhos num desfocado invisível, como não saiba explodir o verbo, tão atarefado e objetivo! Bolas de sabão me diziam, para o que eu não tinha ouvidos, naqueles voos singulares e na sua decomposição repentina e silenciosa - o que é não dizer e é dizer melhor - melhor sobre a vida do que podiam as palavras ...porque seja mesmo indizível viver. E agora isto, grafado em desacordo com respirar, tal asfixia.