quinta-feira, 28 de maio de 2020

PRIMEIRA COMUNHÃO




em vez de um dogma
defenda o coração,
que não discute
a vida ter razão.

faça esta primeira comunhão:
una o racional à emoção.

pois nem sempre o contra quer se opor:
some a minha à sua solidão
diminuirá a nossa dor.
somos parte de uma solução.

todo mundo teima em se dispor
em dilema, em ódio-amor...
vamos colidir na contramão!
e a vida vale mais que opinião.

em vez de um dogma
defenda o coração,
que não discute
a vida ter razão.

essa é a minha religião:
religarmos uma só nação.

se só dois lados a se contrapor,
vamos sem retrovisor...
nem a quadrada chega essa visão.
deve haver uma bifurcação.
ou vamos colidir na contramão!
e a vida vale mais que opinião.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Meu único dogma é o coração.

...E A VIDA NÃO PEDE DESCULPAS.

Cheguei numa situação, não sei se numa idade, em que um velho na rua quase me leva na lentidão de seus passos, me assume sua viuvez, sua família morta, sua pele me enruga, e o tempo se torna flácido ao nosso redor. Ele não é totalmente alheio, vamos atolados, trôpegos. E numa esquina me assusto sem nossa bengala, chão de qual me resgata um cão, rabo escondido no meio de nossas pernas bambas, expondo de quatro nosso receio. Quantos pontapés para chegarmos, bichos, até esse calamitoso encontro?

De repente, do cão me lambe a fome no olhar de um menino encardido, criança que devo, frio, continuar abandonando sem casaco até um esquecimento que me entorne longe desse inverno, que me ponha a dormir quase digno na cama quente exclusiva. É tudo tão fora do meu controle, que às vezes até me toma uma coragem de arrogar-me qualquer coisa que seja.

Mas as ruas me entregam mísero em casa. Alguma vergonha junta-se ao medo rotineiro na porta que, não me exilando do país, degreda "sermos nós" ao se fechar. Desculpo-me conscienciosamente que o mundo não é meu. Sou íntegro a lástima desta hostilidade nacional com a alteridade... O mundo é uma moldura de faltas! A decência aqui não faz mais que "se lavar" dos outros. 

Precisamos tanto, que viver assim chega a ser necessidade de um Deus que não veio. Mas nem decrépitos, nem cães, nem abandonados,  achamos o ato infame que nos conforte, nos faça merecer este odioso lugar. Nem decrépitos, nem cães, nem abandonados, somos mais miseráveis do que brasileiros.

https://www.instagram.com/tv/COXvcgCnno0/?utm_medium=copy_link

terça-feira, 26 de maio de 2020

TRECHO DE "O IDIOMA DA CARNE" (E-book publicado em 2014, escrito anos anteriores)



Assisto a um documentário sobre ditadura. Depois desço. Como são horríveis e tristes e sempre serão todas aquelas torturas! Como esse sangue não escoa! E a paz de agora? Sim, em contraste, até parece uma imensa paz sentar na esquina e tomar uma fresca. A gente diz, “Vai tudo bem!”. Hein?! Tocar um samba em coro. Mas de repente, percebemos num discurso exaltado e aplaudido que é horrível ainda, pois aqui e ali se vê claramente que as pessoas ainda não são, talvez nunca sejam, a maioria delas, mais inteligentes. Elas cultivam certezas, convicções perigosas, deixam-se levar por discursos aparentemente absolutos que são superficiais e que refutariam facilmente se parassem um pouco. Ora, têm preguiça de ir mais longe, de questionar, é uma desonra duvidar de si mesmo e aí se compromete o conhecimento! É a tevê, o pastor, o autoajuda, todos gritando repetidas vezes com coloridas ilustrações: “Acredite em si mesmo! Acredite em si mesmo!”. A dúvida se afigura horrorosa, repulsiva! Enfim, todos esses rapazes, nossos amigos, senhores dóceis de família decente, estão sujeitos a protagonizar um novo holocausto, basta lhes entregarmos algumas certezas que lhes sejam convenientes. Fico tentando entender como um militar espanca tranquilamente a mãe de outro, enquanto o outro militar espanca a sua mãe, como um homem pode ser antes militar que homem. É triste ver como é parca a abstração do povo, como são cegos em sua fúria. Demonstram em suas fraquezas, em seu racismo, seu ódio e pouca compreensão, em sua sede de vingança, em seu desrespeito pelo próximo, demonstram as mesmas condições para praticar velhas e condenadas crueldades. Torço para estar enganado. Ora, mesmo com toda lição... Nunca aprenderão! Não adianta a história quando nossa capacidade de leitura continua limitada, tola, partidarista, preconcebida! Há tolos de todos os tamanhos, doutores, leitores de Dostoiévski, Nietzsche, Kafka, simpáticos garis e pacatos feirantes... Ainda continuam tolos, extremamente confusos, medrosos e mesquinhos. Porque não é o que leem da vida, mas como lhes resta ler, como lhes é empurrado e o pouco que movimentam os teores na cabeça, quase nunca repensam, adoram assuntos encerrados. São feitos mesmo para obedecer, para admirar a obediência cega como honra, patriotismo, ou qualquer coisa que seja virtude em seu tempo. Nenhuma questão e sim pontos finais afirmativos, sentenciosos! Talvez não haja jeito! Confiam demais em si mesmos e em suas opiniões ferrenhas. Friamente matariam sob a égide do que acreditam, é como sempre tem sido! Consciências tranquilas! Velhos torturadores que chegam em casa e dão um beijinho de boa noite em seus filhinhos. Consciências tranquilas!

sábado, 23 de maio de 2020

Pois sim, o dinheiro é um grande artesão.
Torneia muito bem para mal os caracteres maleáveis. 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Os iguais não querem outra coisa senão se diferenciarem.

A cultura é a sua vida. Ela chega em você em todo canto. Sem tecnologia, na fala do seu filho, na simpatia de seu avô, na ordem de seu pai...Você é fruto de uma cultura.

A partir dela você elege a verdade, e a partir de agora você sabe disto.

E deveria suspeitar de si mesmo. Sobretudo de se achar tão independente. Sobretudo de se achar tão "si mesmo".

Aquém-do-homem

Agora que vai se desvelando o romantismo legislacional que dizia  que nossa vida importava.... Agora que valemos tanto quanto tomates que sobram, nosso grande  desafio é a adaptação exigida por toda mutação de espécie.

Estamos indo bem!  Já sobrevivemos a uma desumanização bastante nítida,  sem termos uma história, isolados numa compreensão crassa da realidade, numa condição de imundície multidimensional. O lixo que nos tornamos, jogados fora, é ainda o grande desafio.

Já consumimos uma cultura decadente de massa. Mal precisamos de palavra. Nossa alimentação vem bastante intoxicada,  nossa diversão é basicamente alcoólica... E a alegria quando não uma euforia autorizada, pontual, é fingir alegria, anunciar um médio sucesso. Nossa tristeza é medicada...

Quem diria que o além-homem era "aquém" na verdade? O consumista...  O homem consumido pelo homem e posto fora.

domingo, 17 de maio de 2020

A PAZ ATROZ

a hipocrisia
essa sabedoria
de enviar somente a fala
pr'uma ousadia a que
se a gente fosse...
voltasse calado à bala.

a voz...
algo de nós desencarnado
pode ter a valentia
e projetar-nos como heróis
num longínquo outro lado.

se no concreto posso pouco
e me flagro tolo,
assino o contrato:
"pra não ficar louco
se renda a consolos
o campo abstrato".

pois este sistema nosso algoz
bem e mal faz bem misturados
que não podemos matá-lo, nós,
sem sermos juntos assassinados.
e só nos resta a paz atroz
dos quem se aceitam derrotados:

a moça a quem você liga
totalmente indignada
tem a identidade alugada
a uma sociedade anônima

e vocês duas na briga...
sócias - "vida limitada"
"o que fazer, minha amiga?
em quem desconto a porrada?"

se para encher a barriga
a gente paga de otário:
ou passa por vagabundo,
ou por um pouco salário,
deve aos problemas do mundo
fazer-se destinatário.

sábado, 16 de maio de 2020

- o que você faz de bom?

- eu tenho sentido!
não tenho mais muita tristeza alongada. sabe? que predomine... acho que nenhuma leitura da vida perdura. aliás, um sentimento tem muita dificuldade de achar duração para que eu o seja. já se desfez o cume de onde eu via a divisão entre tristeza e alegria de maneira tão nítida que mais parecia fabricação do que natureza. uma coisa é quase outra. têm-me tristeza e alegria como café e leite têm um mesmo copo. às vezes média; outras, pingado. a vida me persiste e me serve em muitos  entre o quente e gelado.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

GÊNESE DIVINA

O que um homem pode me dar é produto vencido.
A pior mendicância é a de fé!
Pois só reclama crença o débil de sentido.

Em lugar de Diógenes,
aproveito a sombra de Alexandre
pra evitar assunto.
E gozo em seguida o sol de sua ausência.
A plenitude só deriva de acordar com o acontecido.

Não me exporto para promessas nem sonhos...

Quando procurei irmandade para minhas imoralidades entre os homens,
encontrei-os bem vestidos...
Achei na sinceridade aquilo que me distinguia, se seu fruto não encontrando estação dá-se amargo, então só me entende o vício.
O mundo dos homens não passa de um anúncio de culpas,
um cinema a dimensionar a enorme impotência de ser indivíduo.
O tempo todo a requisitar-me imperioso, iluminado e sonoro para tudo a que sou robustamente incapaz.


Para mim já não há "nós",
exausto e nauseado da procura do comum, resigno-me ao singular.


Se me estendo no branco silencioso, não é à toa... pois sim!
Se escrevo, é que só no incógnito ouso supor compreensão.
E se ainda há conversas pra além de frivolidades, é que não ostento suficiente pudor de estar enganado. Sei, aliás, como quem vem com os pés machucados de realidades pedregosas, da necessidade de se folgar em ilusões.

Na constante impossibilidade do par, adquiriu-me este orgulho pelo ímpar, converteu-me a supremacia do indivisível.

As conversas são apenas palavras que  inaptas ao poema não se fazem questão e se atiram subversivas.
Errado diagnóstico: meus versos não são sintomas de conversas deficientes, mas o flagrante das debilidades românticas.
Damos no silêncio - como rio ao mar -  por qualquer via - o poema ou o outro. Um destinatário ou interlocutor é apenas a parte enfadonha na natureza do curso.

Não tenho nenhum conselho...
Se és modificável, vindo do barro, o acaso  te saiba o artesanato!
Quanto a mim, que não pretendo nem mesmo a forma que assumo, de ti não farei nem esboço.
Refresca-te em meu despropósito!
Não me apetece, por senso estético ou por qualquer outro, conduzir-te ou te adornar.
O homem é, desde mim, uma matéria-prima do nada.
Eis o destino, que só de "quando" faz mistério.

Não faço do outro nenhum ideal: plateia ou promotor, para ter por ele ainda algum interesse.
Não sou mais criança a tal ponto.

Também não vim salvar nada do que é possivel.
Nem etiquetar o mundo com afetados moralismos. Reparar-lhe indecências?! Indecência é somar ao barulho.
Se respondo "bom dia!" é para que não me criem caso e não se atrevam a comigo mesmo, em minha presença, me fazerem assunto.

Insuficiente para ambos, dispenso o elogio e a crítica com "muito obrigado!", palavras mágicas não fariam melhor, pois mais útil que mover pedras é encerrar assuntos.
Quando digo o inevitável, tal um estertor, que me importam enquadramentos estéticos alheios, contemporâneos ou futuros?
É o que posso, o que devo... De confrontá-los por este ou aquele adjetivo, renuncio.

O verso é a folga que tiro de jogar-me fora em colóquios para que me jogue fora com elegância.
Não me desperdiço, porque não sou um funcionário...
Quem se descobre sem função e sem motivos ideológicos
não sofre tempo perdido.

Minha poesia é nula como a oração de um ateu:
mais vale pelo tempo a passar que enfeita, pondo-lhe palavras como se rabiolas em pipas que não acharão meninos...
Mais vale dissimular o vazio, do que carregar a um altar qualquer a tola esperança de ser ouvido.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

sexta-feira, 8 de maio de 2020

No meio do caminho

O cérebro é a pedra 
que tem no meio 
do caminho da poesia 
de Carlos.

Víscera-palavra!
Víscera-palavra!

segunda-feira, 4 de maio de 2020

FRACASSO DE BILHETERIA

A minha vida é um espetáculo feito para deuses, que não estão na plateia.

Confesso:
Se eu tivesse que adquirir o ingresso, também não teria vindo.

ALEGRIA POSSÍVEL

A alegria que posso, embora nem sempre ganhe nítidos dentes, está no meu dia, no verso, na rua molhada de chuva, no riso do outro lado da mesa, na xícara... Entre uma geladeira e um fogão, ficará pronta em alguns minutos, depois de descascar o alho. Chuveiro frio, chuveiro quente... Minha alegria tem um suspiro de recheio, flor da distração vingando neste chão de tanto esquecido. Por sorte vigora também em algumas redundâncias cotidianas ainda, à luz de uma janela, ainda que dê vistas para nada...

Tenho preguiça de me imaginar nascido pra uma felicidade lá no fim da estrada,  milhas e milhas do tempo, décadas depois... Não vim para salas-de-espera. Desço dos sonhos antes das decepções finais. Não sou para merecer, meu mundo gira entre fatalidade e dádiva. Mais me deixo do que me carrego.

https://www.instagram.com/tv/COxf2JdlqDh/?utm_medium=copy_link

Aquele que sobra sente falta