quarta-feira, 27 de maio de 2020

...E A VIDA NÃO PEDE DESCULPAS.

Cheguei numa situação, não sei se numa idade, em que um velho na rua quase me leva na lentidão de seus passos, me assume sua viuvez, sua família morta, sua pele me enruga, e o tempo se torna flácido ao nosso redor. Ele não é totalmente alheio, vamos atolados, trôpegos. E numa esquina me assusto sem nossa bengala, chão de qual me resgata um cão, rabo escondido no meio de nossas pernas bambas, expondo de quatro nosso receio. Quantos pontapés para chegarmos, bichos, até esse calamitoso encontro?

De repente, do cão me lambe a fome no olhar de um menino encardido, criança que devo, frio, continuar abandonando sem casaco até um esquecimento que me entorne longe desse inverno, que me ponha a dormir quase digno na cama quente exclusiva. É tudo tão fora do meu controle, que às vezes até me toma uma coragem de arrogar-me qualquer coisa que seja.

Mas as ruas me entregam mísero em casa. Alguma vergonha junta-se ao medo rotineiro na porta que, não me exilando do país, degreda "sermos nós" ao se fechar. Desculpo-me conscienciosamente que o mundo não é meu. Sou íntegro a lástima desta hostilidade nacional com a alteridade... O mundo é uma moldura de faltas! A decência aqui não faz mais que "se lavar" dos outros. 

Precisamos tanto, que viver assim chega a ser necessidade de um Deus que não veio. Mas nem decrépitos, nem cães, nem abandonados,  achamos o ato infame que nos conforte, nos faça merecer este odioso lugar. Nem decrépitos, nem cães, nem abandonados, somos mais miseráveis do que brasileiros.

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