sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

SUBSTÂNCIAS DA LUZ

O que havemos visto quanto já se desfez do real, se pela via de ver, o mundo adentra em esquecer e transforma-se em mundo ideal?

De tudo do que reclamamos, quanto há proceder,
se a insatisfação é uma fundamental
condição do viver?

A realidade é qual parte daquilo com que vivemos?
A que, ao molde de nossa pretensão, entorta mais ou a que entorta menos?

O quanto há vice-versa pro sonho que a realidade dilui?
E a palavra feito cruz não prega verdades mortas?

Não é a verdade uma porta que a esperança seduz
a abrir pr'um engano que bate
com a substância da luz?














quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

ININTELIGÍVEL

Não me pariu uma ideia.
Não sou um débito quitado.
Nasci inesperado,
filho da além consequência
do desejo que se quis saciado.

Não sou fruto de ciência,
não posso ser explicado.
Apenas sendo prazer,
me tenho continuado.

Por isso é uma indecência
Se tentam me ter entendido:
nao tenho significado,
caibo só em ser sentido.

DO APANHADOR DE CARANGUEJOS

Já não me importe tanto mudar as coisas quanto saber apanhá-las.

Troca de casca



Desprezar a superfície e a aparência em nome do profundo é amiúde o processo de desprezar o que se vê em prol do que se imagina (sente, deseja...). Toda elegia à profundidade tem seu germe de tirania se pretende que o adivinhado, o suposto, o particular vigorem sobre o nítido ao alcance comum. No mais, quando se demonstra o que há sob a superfície, não se conquista o profundo, mas apenas uma nova superfície.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Encontramo-nos nesta vida, e com o passar do tempo nossas felicidades se afastaram cada vez mais. A ponto que deixou de existir uma nossa felicidade, para existir a felicidade de cada um. Será que só eu percebo esta tristeza? Olhem!: as palavras e gestos de ternura - ocos! - ficaram como cacoetes de sentimentos que se foram.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Ele a apertava pela cintura, segurando aquele beijo como se quisesse deter o tempo. Vistoriá-lo! Dar-lhe uma dura! Dizer que ele, o Tempo, estava acima da velocidade permitida e autuá-lo... também por embriaguez.

Para quem tem muita humanidade, estão sempre pedindo um resgate

QUANDO ACONTEÇO

acaso estou aqui para contestar o que acontece?!
o que acontece não deveria ter direito superior ao que tenho em imaginação?!
estou aqui para lastimar porque pretendo melhor as coisas do que as coisas vêm a existir?!
imagino e sei algo melhor do que o possível realizado?!

diabos! para que eu vim
se não rimar com fim?

você que nunca perdeu
não perde por esperar!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

DO QUE COLHO MEU RISO (para Augusto)

do que colho meu riso,
encontro o mundo cada vez mais deserto.
fujo de pensar no país,
se me tenho desperto!
brasileiro, sou deveras infeliz!
o amor?... torna o agora mesquinharia,
o enorme passado:
oco em mim a reverberar enganos
para quais se desfez uma fundamental ingenuidade.
tive por anos maior a família e amigos ao lado.
no espelho, que vaidade?
flagro a inexpressão do rosto...
permaneço a olhar o suficiente
para perceber que sequer este flagra tem gosto,
não exprime um sentimento nítido:
nem tristeza, nem orgulho de saber-me acabando
e de pé ainda.
olho pro meu filho
- uma criança linda -
e estou muito perdido!
o riso dele quando pleno de inocência me encara
me reinventa uma alegria:
uma flor rara que rápido vigora e breve esmorece
e que me aproveita que me restam dentes: rio!
só nele distraído estou contente.
para além dele, o mundo quase que só me entristece.
olho-o, rio e estou certo:
do que colho meu riso,
encontro o mundo cada vez mais deserto.

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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Aquém do objeto

Quem me ama não quero encontrar!
Tenho pavor de concorrer com este sentimento:
Eu de carne e osso sendo posto a prova perante uma ideia maravilhosa que fazem de mim?!
- o acaso me livre!

Perto de quem me ama só tenho a perder...
Só posso capotar na ladeira de tal mérito.
Perto de alguém que me sente assim: amado...
Só me sobro tímido ou imprudente...

Quem sente saudades minhas,
quem ao menos cogitara - por lapso -
dar uma vida por mim...
Afasto-me e sou apenas delírio alheio!

Que tenho a fazer nas cercanias do amor é sujar-me,
estragar-me fatalmente...
Acabar desarmado, despreparado pra lidar com mordidas...

O acaso que me  mantém livre de quem me ama, promovo a divindade.
Certa distância da luz e dos barulhos de existir preserva o sonho em que sou magnífico.
Certa distância para que, se cheguei a tal ápice, eu possa ser e continuar amado.

Não! Deus me livre de quem me ama!
Não posso honrar tal sentimento e tudo que a partir deste esperam repletos de direito.
Dissolvo melhor meu tempo entre afetos menos gananciosos, que passariam bem sem mim....

Entre outras coisas, eu bebo para tornar-me inacessível a algumas assombrações.

Você vem de longe! Diria, 'quase de um sonho!' - diria? Não terei até mesmo  já acordado com a respectiva sensação de ridículo?
A gente passa muito mais vezes uma tarde melhor com alguém do que uma vida inteira.