tirei os óculos com ar grave-distraído...
lembrando o coro e o ritmo monótono
das leituras na classe do ginásio
paredes do cômodo único
pintadas até certa altura de cinza tinta óleo:
assegurando o branco para altura que não alcançávamos
ou seja,
certa altura que podíamos sujá-las.
era um filme preto e branco onde nós éramos coloridos
no pátio havia árvores generosas
enchendo o chão de carambolas e mangas...
era um mundo de voz de meninos contra aqueles muros!
aberto o livro na página com timbre de professora:
"vamos à leitura!"
algo profundamente irritante aquele
compasso-valsa-de-meninos-semialfabetizados,
aquela espécie de missa,
aquela turma,
aquela classe,
agora...
...quase intocável em minha cabeça!
depois que o tempo lhes roubou o material
voltam sempre na aula seguinte
por mais que toque o sinal da saída
eles nunca completam o ensino fundamental
estão sempre a ler daquele modo-cristo-vai-pegar-no-sono
memória petulante:
para me aborrecer vai longe e com lupa ao passado,
enquanto recente já não sei onde grave-distraído deixei os óculos nesta quitinete.
razão também tem quem luta pra perdê-la! Iscas para almas. Realização do projeto de fazer propostas. Quase uma coisa no lugar de tentativas. Lembretes do desapercebido. Refinaria de gritos.
domingo, 30 de junho de 2019
quinta-feira, 27 de junho de 2019
noites como começos.
uma noite se estendeu em vida;
outra, em morte.
uma amanhecerá risos de criança!
outra é para sempre noite;
ambas, jeitos de saciedade!
necessidades que são interpostas
a intervalos comerciais.
não anuncio nenhum amor
para os telespectadores.
é só a vida virando era…
não chego inapto à eternidade:
faz-se noite de um impulso para o inevitável,
corrijo tudo que deu em mim.
é sabendo que a gente erra.
se nos tornássemos cientes de que tal ou qual ato em determinada circunstância não resulta no que pretendemos... opa! mas os atos, por mais que tentem, não são iguais, as circunstâncias mudam, as pretensões também, e a sabedoria que detemos não é autônoma responsável por nossas atitudes. é a atitude prepotente que se propõe fruto da certeza.
O esterco e a flor
todo meio em que nos fazemos muito sinceros é um meio que tendemos abandonar. quem não se inventa, não prioriza conservar os laços. depois de nos darmos com franqueza é comum não suportarmos mais a imagem que intuímos haver imprimido. quando voltamos a ter com velhos afetos, a aceitação do reencontro se possibilita muito em razão de nosso esquecimento ou/e de certa aposta no esquecimento alheio: pensamos que a fotografia de momentos impropícios lhes desbotou na memória, perdeu-se numa penumbra, talvez que um juiz amigável em sua cabeça nos martelou uma absolvição irrevogável, ou teria nossa atitude se diluído entre mil outros fatos, mesmo adulterando os protagonistas, ou se minimizam nossos atos infames ou indecorosos agora, em que tal afeto sofre uma tragédia. a qualquer modo, evitamos então, na oportunidade do reencontro, provocá-los, pois eles podem vasculhar o passado contra nós. infere-se que um tanto de nossa dócil sociabilidade é fruto pendendo da vergonha por saber-nos ou nos cogitarmos infames, culpados, devedores. basta ver que os comensais mais jovens tendem a ser mais desagradáveis. é este desagrado que os poderá fazer mais tolhidos nos próximos encontros, isto é, se eles voltarem à mesa. sim! claro! há quem não amadureça e também quem use as desculpas como uma ferramenta corriqueira.
UMA DEFICIÊNCIA
Se nos cientificássemos do quão a vida é sem garantias e curta para condicionarmos seu gozo a encontrar um par afetivo, não nos consumiriam mais muitas angústias. Não gastaríamos nem mais um instante ansiando por um amor escondido, dando créditos a ter de encontrá-lo. Desprezaríamos em nós o que compusesse tal pretensão e preencheríamos nossa vida com a construção dos afetos que se soubessem fazer presentes, manifestos, possíveis. Perceberíamos que ter por imperativo na vida a necessidade de uma companhia é um sequestro que cobra caríssimo o resgate de nossa solidão.
A proposição "O homem é um ser social" - em certa maturidade e sob certo ângulo - infere muito mais que não podemos deste caráter nos libertar do que o desejamos. O que quer que apreendamos na solidão - mais independente - não contribui na fabricação da falta, da melancolia, do maldizer, pois não nos torna um pedaço. Cada vez mais, contemplaríamos o artificial e o superficial como condições bastantes e satisfatórias de relacionarmo-nos. Ocorreria então um processo de adaptação que nos viria entregar um orgulho prazeroso ao retornarmos aos nossos lares, ao passarmos a chave na porta, ao deitarmos em nossas camas no término dos dias. Sozinhos e suficientes. Pois não é a solidão o que dói, mas a imaginação excitada à expectadora de amores românticos. É o desabituar-se à solidão o que dói. É, portanto, o fato de termos aprendido a creditar nosso prazer num ideal "romântico", "religioso"... Enfim, um ideal no além, no futuro, no alheio - em possuí-lo e nos tornarmos sua posse. Tal "necessidade", assada na forma de um sonho, seria flagrada então, claramente, como uma deficiência.
"Quem quer que o deixe por conta de si mesmo, de que o absolve, a que o condena?"
"Quem quer que o deixe por conta de si mesmo, de que o absolve, a que o condena?"
quarta-feira, 26 de junho de 2019
A dívida do conhecimento com a frustração
muitos pensadores são uma espécie de artistas deficientes movidos por um desejo de vingança: por não conseguirem esculturar a beleza, dedicam-se a desvelar verdades.
sou gay
gosto de mim. e eu sou do mesmo sexo que eu. me olho, me amo, me desejo bem! eu me amo quando estou duro, e sendo duro sou capaz de amar o que sou sensível contra um mar de deboches. me casei no católico: estou comigo na alegria, na tristeza... na rima (riqueza, pobreza) e até que a morte me distingua.
terça-feira, 25 de junho de 2019
"você escreve coisas tristes!"
não escrevo sempre o que quero, escrevo mais o que vejo. escrevo mais como quem abre os olhos, não como quem os fecha, ora, deseja e inventa. se não escolho o que se passa à minha frente, como poderia escolher o que descrevo? se abro os olhos pro céu, não escrevo "paraíso", escrevo "azul". escrevo o que sinto e percebo, não o que espero. quem gosta de ler o que é "positivo" e "alegre" somente, tende a lutar contra muito do que digo. estes mesmos são a prova aqui: não desejo que eles existam, apenas os flagro.
"Longas cartas pra ninguém"
um discurso não se justifica pelo teor inteligente que tem. a inteligência deve relacionar sua pretensão a quando, onde, como e pra quem.
segunda-feira, 24 de junho de 2019
a alma é pudor com o transitório, com o corpo, com o toque, uma instituição de critérios, um aperto nos parafusos da solidão. o seu querer, delator de idioma excuso da falta e da impotência humana, falsário de necessidades, impotente, evolui da pirraça à beleza da lástima poética. a alma provém de evaporação ante a realidade dura, indomável, uma projeção arrogante do ego numa dimensão de verdade e eternidade, um acúmulo palavroso de tralhas abstratas, lembranças, traumas e afetos que confabulam contra o vigente, que o regurgita... um obstáculo ao encontro possível encarnado. a alma é o abismo entre os seres.
sábado, 22 de junho de 2019
quinta-feira, 20 de junho de 2019
você está cansado, já não se engana na própria voz, menos no retrato. seu tempo parece ausente, a voz parecida com a de alguém numa manhã avulsa quase o retorna à vida. diz um consolo: passado só vale porque passou. já o presente é um flagrante do querer não realizado. futuro... você não tem esperança de nada. esperança de nada é um fruto de sabedoria. sabe: amanhã não o fará mais completo que agora. sua poesia, como você, por vezes saltitou alegremente; por outras, caminhou devagar... ambas as oportunidades, para quê? para ver bem de perto a tolice de ter pretendido o que quer que seja? o que machuca no nosso ponto final é que o sabemos reticências pros outros...
terça-feira, 18 de junho de 2019
segunda-feira, 17 de junho de 2019
POPULARIDADE x VERDADE
- quem ganha, a realidade ou a popularidade?
- em qual briga?
- naquela em que a popularidade diz que quem ganha é a verdade, e a verdade diz que quem ganha é a popularidade.
- em qual briga?
- naquela em que a popularidade diz que quem ganha é a verdade, e a verdade diz que quem ganha é a popularidade.
si menor em torno de um sol maior
Inspirado em Jô na roda.
nenhum mundo - redondo! redondo! - gira em torno de mim melhor que uma roda de samba. acho-a a gestação de um deus: quando os homens, desentendidos de tudo, se entendem num ritmo, em risos, rimas e isto é samba, meu dia amanhece. quando a gente entra numa roda dessas, deixa de ser gente, passa a ser "beleza".
domingo, 16 de junho de 2019
quarta-feira, 12 de junho de 2019
INDEFINIDO
tudo é assim
indefinido
não adianta ter ouvidos
pruma cor
não adiantam olhos para
uma canção
não adianta razão
pro amor
moles
como nosso querer
duros como a
necessidade
mais nos importa gozar
do que encontrar com a verdade
indefinido
não adianta ter ouvidos
pruma cor
não adiantam olhos para
uma canção
não adianta razão
pro amor
moles
como nosso querer
duros como a
necessidade
mais nos importa gozar
do que encontrar com a verdade
quarta-feira, 5 de junho de 2019
MUNDO? AQUILO!
o mundo houvera;
às costas dos escravos que o faziam
e que tinham sangue a dar, mesmo aos covardes
mas o mundo havia,
ainda que na ponta de um chicote
hoje pela caverna do verdadeiro mundo passaram um fio,
e me comunico com as tele-hipóteses do mundo.
há a enciclopédia, que encadernaram
o mundo
meus amigos nem sabem,
buscam em teorias o que deva ser "amizade"
e antes era um cansaço e uma dor real que atava o abraço
alguns homens no mundo...? talvez raça em extinção
há; assim, como neste texto, o mundo
e quem o leia crente:
"mundo!"
às costas dos escravos que o faziam
e que tinham sangue a dar, mesmo aos covardes
mas o mundo havia,
ainda que na ponta de um chicote
hoje pela caverna do verdadeiro mundo passaram um fio,
e me comunico com as tele-hipóteses do mundo.
há a enciclopédia, que encadernaram
o mundo
meus amigos nem sabem,
buscam em teorias o que deva ser "amizade"
e antes era um cansaço e uma dor real que atava o abraço
alguns homens no mundo...? talvez raça em extinção
há; assim, como neste texto, o mundo
e quem o leia crente:
"mundo!"
DE FATO
não me tente fazer
acreditar...
não sou o
mundo!
não toque
meus ombros feito um seu ápice,
são apenas
superfícies encarnadas sem consolo.
não invente
meus olhos lagos ou mares...
no mais, nem
oceanos são infindos!
não me tente,
inocente, fazer crer numa minha amplitude,
não me venha
com estas regalias românticas!
não me crie com tanta gravidade
pois acaso eu creditasse esta criatura
poderia sustentar o peso de minha queda
quando eu despencasse do delírio em bom-senso?
não me crie com tanta gravidade
pois acaso eu creditasse esta criatura
poderia sustentar o peso de minha queda
quando eu despencasse do delírio em bom-senso?
não gaste comigo tantas cores:
arco-íris também me entediam!
arco-íris também me entediam!
sou menor
que o que piso e
já não venho
da infância me carregando no colo.
o presente é desde nada!
o presente é desde nada!
e o "doravante" não me preocupa.
não creio em
nada!
se confundo ou
se entendo certo, pouco se me diz,
o fato é que me
soam demais parecidos os desertos e as multidões,
os vazios e a demasias.
os vazios e a demasias.
e não me
cobre provas disto!
porque não é
a verdade que me cabe, mas o sentimento.
não se faça
crente de estrelas várias em meus olhos,
saiba dos
reflexos, dos abraços que noites frias inventam na falta de outros agasalhos.
o escuro de amar propicia
muitas expectativas sem balcão ou atendentes!
não faça, não tenho troco!
não tenho troco se você me veste tudo: não a vejo mais que o concedem instantes convenientes,
e atine que
as fotos da retina mais se perdem entre trilhares...
e se guardam algo, mentem ao estagnar o que se movia.
e se guardam algo, mentem ao estagnar o que se movia.
não! não nos
promovamos por ufania ou loucura.
achemo-nos
suficientes dentro de uma camisa larga sem estampa
e vamos à
feira distrair nossas vidas
desconcentrá-las do que não for verdura, frescor, presente...
vamos! sem nobreza ou infâmia, sem dívida com ontem, sem ânsia regida pela consciência da finitude, sem vício ou virtude alardear! de mãos carnais dadas, ou não.
vamos! que a tristeza é só um quarto, a esperança é um monumento de sonhos erguido pelo diabo e posto para atravancar o passeio de viver o possível.
vamos! sem nobreza ou infâmia, sem dívida com ontem, sem ânsia regida pela consciência da finitude, sem vício ou virtude alardear! de mãos carnais dadas, ou não.
vamos! que a tristeza é só um quarto, a esperança é um monumento de sonhos erguido pelo diabo e posto para atravancar o passeio de viver o possível.
uma fração de água, uma transparência na transparência do para-brisas do carro fez meu olhar nadar, olhar através... penso que a água é sempre plena: gota, rio, lago ou mar... penso de que corpos fez parte, que sedes matou, quem afogou, que banhos, que piscinas, quais felicidades, frutas e lágrimas, que sabores, que flores regou, que cores pariu, que luz refletiu, que vidas ela levou em edemas, naufrágios, afogamentos, aquaplanagens... de que impurezas se desgarrou, que dia nublado antes de cair, que visões turvou, que enxurradas compôs, que canoas ajudou a flutuar, penso - ego liquefeito - no dia que não serei, a escorrer sem vida...
segunda-feira, 3 de junho de 2019
VIDA RIBEIRA
tem sempre gosto de adeus
a coisa de ser gente
quedar dos braços dos seus
num mundo indiferente
de amores e amigos idos
seguir sozinho
no vasto caminho
do "nunca mais"
não quebrei! escorro chuva
caída do colo de meus pais.
cada vez mais encardida água:
banho de bacia, sede que não sacia,
vida ribeira, mar de afogar,
café coando mágoa...
ah como amarga evaporar!
a coisa de ser gente
quedar dos braços dos seus
num mundo indiferente
de amores e amigos idos
seguir sozinho
no vasto caminho
do "nunca mais"
não quebrei! escorro chuva
caída do colo de meus pais.
cada vez mais encardida água:
banho de bacia, sede que não sacia,
vida ribeira, mar de afogar,
café coando mágoa...
ah como amarga evaporar!
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