UM SONHO DA VAIDADE

A vaidade esfrega a lâmpada mágica, o gênio sai e, olhando bem para ela, fala com alegria flagrante: "Meu desejo foi realizado!"

A PUTA QUE PARIU (a poesia que uma passageira esqueceu no carro)

sou a puta que pariu recentemente
deixando farto um último cliente
pra buscar minha filha
do colo morno da família 
que não tenho.

com ar meio descontente
com a vida que leva a gente
ligo pro pai de "Cecília"
que de nós se desvencilha
no uso de um velho engenho.

na mão esquerda, pro dia emergente,
trago da noite o copo de aguardente.
e embora seja manhã bem cedo,

trago pouca esperança no peito
rente a criança no braço direito.
muito da gente é apenas medo.

A FONTE

"Luz, mais luz!" - últimas palavras de Goethe.

A vida é um choradouro que dá na bica do nada: quintal abandonado por Deus, que sede não sente. Saiu a passeio distraído por seu infinito, saciado plenamente, com seu sem-querer pisou o charco e... Fez-se o grito! Escorregou, turvou-se o líquido, na lama ficou impressa a forma da divindade, qual breve se deu recheada pelo fio d'água que ali corria à vontade. Do raso do barro, à semelhança da mágoa, veio do homem o dia, criança solidificada pelo sopro da oportunidade. Fruto da queda de Deus, filho desta ironia. Muito longe da felicidade deu-se o caso! Não era este sopro suspiro de dor, desta que o homem herdaria pra pagar a prazo? Seria tal estertor de um Ser que não morria porque Deus, assim "Luz, mais luz!" clamaria muito antes da cruz, prestes a virar Acaso.

A ÚNICA SAÍDA

Trilhar no que se vê, sobre que não se põe propósito algum - sim ou não-paisagem - caminhos. Traduzir o barulho das pessoas, do tempo, das coisas que ainda não sabem dar silêncio, como sinalizações: "Siga em frente", "Retorne", "Desvie"... À noite, à margem do caminho feito, preparar o leito e abrir os olhos no escuro para enxergar a nulidade de tudo. Mexer-se inquieto como um feto, filho da morte no ventre da vida, com medo e com a vontade incógnita que sempre dão na mesma saída.

Se a gente se encontrar num beco sem saída, aproveitaremos as paredes, querida! Balançaremos, bem unidas, numa rede, nossas vidas.

O mundo concluído não pode melhorar

O DIABO ENTEDIOU

ocorreu-me que os homens que usavam a linguagem para encontrar uma verdade divertiam um demônio, qual inventou tal brinquedo, feito labirinto sem saída. atualmente cansou-se, foi brincar de outra coisa, quiçá achando a própria humanidade um mau gosto divino! brinquedo no lixo, não cuidou retirar de dentro dele alguns bichos adoecidos e asfixiando na cápsula linguística. um bom deus grita de fora para atravessar o vidro, "meus filhos, acalmem o falatório, não confundam o aparelho respiratório!" assim, com Deus comovido, o diabo se realiza.

o belo é saber que a vida acaba assim, sem cerimônia: com a gente segurando um abacate na feira de terça e dizendo: "este abacate tá bonito! lá em casa tem açúcar?"