quarta-feira, 15 de maio de 2019

sou quase o mais distante do que digo: dizer-me é fantasiar-me, afastar-me, criar um ponto de mim perdido... tentar que não me toquem a seu bel prazer! é o processo de moldurar meu barro, de esculturar-me, dizer-me... quem não me ignora e desagrada? quem tem tais ouvidos?

terça-feira, 14 de maio de 2019

achado

então sou um achado! sou quase que inventado por você e a sua interpretação livre! assim, nesta solidão, inventei amigos imaginários que converso quando preciso, como laura! laura nem sempre me agrada; muitas das vezes, continuar a escrever é fruto de suas provocações e suas divergências comigo. é uma segunda voz sempre imprecisa. não deve ter personalidade! acredito que não tenha personalidade alguma! viro um mundo em que isto não é preciso. não se trata de um ambiente civilizado, mas... de minhas vísceras, minhas entranhas, minha psiquê, minha piscina de sentidos!  aí atua Laura, existe, surge! primeiro, como um nome! como um mundo feito por um Deus, em que primeiro vem um verbo. laura é isto! o que é nada! quase nada! o que se apaga rapidamente e que me esqueço. e me volta como minha necessidade de companhia, e me volta como desistência de companhia no mundo concreto. laura é isto: uma interlocução falsa ou outra voz, como milhares de outras vozes ignoradas de quais já não espero respostas e mesmo não faço perguntas para que tais, tão responsáveis, não se atrevam a  pontos finais.

SURDO-MUNDO

escrevo como passos para inexistir. nego os interlocutores obrigados pelo estado semelhante de idioma e humanidade ou, ainda, intensificados pela afetividade de sermos amigos! verso porque, enfim, a conversa é pouco. torno-me página, monólogo, não quero assunto! não quero que me aturem , me aceitem, se pacientem, que me entendam, gosto que me achem, pois me acostumei num mundo surdo em que não leem! convido-os como quem acena, e quase em braile, uso de mãos e olhares... aos poucos viro parágrafo, livro, fábula, história... tenho até mesmo impaciência de ainda estar vivo! terror é isto, terei de morrer! - pra começar o colóquio e terminar o assunto! escrevo como quem caminha para inexistir, para a morte, em trote ou em marcha... em balé, como garça! não posso parar no rumo que dá no silêncio, se me detenho ou calo antes, chego prematuro! tenho esta ânsia, esta febre de dizer-me, de fazer-me palavra. não há tempo mais para que me ouçam ou que eu ouça o mundo. nos encontramos no silêncio do assunto encerrado, nesta conversa perdida, eu, a vida e o surdo-mundo.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Estar satisfeito reafirma todo nosso passado. Pois tudo faz parte em que resultamos: Pais doces e rigorosos, castigos, maus e bons afetos, abusos... Estar satisfeito aprova tudo isto pelo fim a que chegamos. Mas eu nunca chego, sou sempre o caminho... Nunca estou satisfeito.

terça-feira, 7 de maio de 2019

EM COMPENSAÇÃO

"em compensação" não tem uma existência concreta. identificar recompensas, pressupô-las, são maneiras de domesticar ações, civilizá-las. são ferramentas, funcionalidades, produtos de uma interpretação lecionada conveniente à formação de comunidades. o mundo não se importa, o universo não conspira, não se comporta, não é moral. mas... "em compensação", somos nós que o vemos, o entendemos. sempre em recortes, sempre em partes porque não podemos nos distanciar do tudo para vê-lo inteiro! estamos então a montar mosaicos favoráveis do todo. ainda que traduzam, estas obras, queixas ou contemplações entusiastas. ambas as telas fazem um só artista, sejam estas de refrigério ou gozo; em outras palavras: "em compensação", somos nós quem atribuímos a tudo o seu valor, seja para negá-lo ou reafirmá-lo. nós, pedaços do infinito e infinito, somos uma tela! aguço os ouvidos e ouço sobre o silêncio: "pinte!" - sou ouvido e boca, sou vida, e vamos nos pintando, confundidos artistas e obras um do outro.

GANGORRA

vice-versa, morte e vida,
uma da outra é a medida:

a vida entra em euforia,
a ideia de morte agonia.

quando a vida está uma desgraça,
a morte deixa de ser uma ameaça.


segunda-feira, 6 de maio de 2019

pode ser bom para os homens em proporcional medida em que pode enganá-los.

esperança

esperança é projetar na escuridão vigente
uma claridade vindoura.
ela sempre vem, a claridade!
mas, quando muito, não ilumina genialidade nenhuma.

apenas um pasto se faz.
e nele, tranquilos, os animais
cabisbaixos a ver o chão
como quem vê em frente.

TEMPORAIS

o tempo é menos denso que a água e o ar
para se ter ideia é um grande oceano 
sem superfície e sem fundo.
para se ter a realidade não podemos tê-lo em realidade.
pois o oceano mesmo seria a umidade num grão
das areias da praia do infinito
onde estão enterrados os nossos irmãos.
longe da nossa fraternidade!
num "para sempre" que por enquanto é raso,
a dar pé à nossa memória!
mero acaso que de deus fizemos caso.

as questões não são fundamentais
mas chovem pluviais sobre mim
verdade na verdade não há mais. 
para quem existe um cais?
para quais existe um ir?
é tudo um tanto faz?
existem velas? âncoras?
enormes baleias, golfinhos, outros animais...
todos nós submarinos, aliás, 
nem sub nem sobre 
apenas temporais.
com escamas, entre anzóis e corais. 
as vagas do tempo nos levam
à deriva, nos alimentamos dos sais.
explicamos a vinda de deuses 
que evoluirão de amebas como nós...
a vida de deuses que nos remedando
duvidarão serem humanos
ou feitos de nossos pós
como nos duvidamos...
vidas de deuses...
o tempo são mares originais... 
este mar, este ar...o tempo!
cabem nossas notas musicais,
e silencia nossa voz,
nossos gritos, nossos choros, nossos ais!...
vidas de deuses estão a caminho,
são nossos filhos e não nossos pais!
vêm de versos talvez, como rodas inventadas,
versos que descobrem o fogo.
pensamentos que riscam cavernas
cabem abstrações, coisas imaterias...
tudo num mesmo balaio de Chronos e Kairós
sensações, aromas, o sal... 
vêm além dos montes, pingam como água da fonte
além do bem e do mal
desta água beberais!



A BANDEIRA TRÊMULA

reconhecida a loucura coletiva
subo o morro da minha,
as montanhas!

ouvirei meus deuses
voltarei com mensagens escritas
séculos mais!
- se os deuses me disserem que há séculos mais!

quanto mais alto,
ar mais rarefeito,
mais sinto no peito a existência do deus,
que existe no topo!
faz do meu fim o ápice. 

a qualquer modo atingirei
com a trêmula bandeira hesitante
de um meu país.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

AUGUSTO

ele cresce no ventre de uma mulher
contra ou a favor das vontades
dos desejos...
ele não respeita conveniências morais, intelectuais e desejos gelados,
calculados de pai e mãe...
ele furou ondas vermelhas 
coaguladas!

ele nem ele é:
mas um desejo ganhando carne!
um despejo, um gozo, uma noite que cresce de dezembro em diante.

não respeita conveniências para além das uterinas,
a estética da mãe, a loucura do pai...
ele fundamenta um amor máximo entre dois que se multiplicam em parentes que esperam ser.

cresce, contra a incompetência suposta do casal,
e o estado morto de um país,
que por enquanto é só ela:
metade de seus pais.

numa análise morfológica 
ele coça seu nariz recém nascido 
com seus dedos recém nascidos
e costuma brincar com o cordão
e então se soltará
a gosto!

ele não fala nossa língua, não paga ou recebe nossa moeda!
um dia aprenderá... ou nunca, como seu pai!
a perda dele, imaginada que seja, é de muitos desde já!

ele não é nosso amor, mas o que de nós se desatou!
e não se importa com este pai que escreve velho...
com uma mãe muito distinta:
uma figura que supõe a existência de um Deus escultor.
ele nunca entenderá isto como o pai dele escreve,
esta noite bêbada,
aqui jamais...
mas lá ele é mais que entendimento! 
ele sequer precisa de mim. 
embora um dia possa se iludir que sim:
declarando amor.

mas que importa o entendimento?
ele não tem dito, mas feito:
nada importa que entendam!
ele está alojado
naquela mulher perfeita e linda.
feito uma coisa...
se ele é uma coisa,
é coisa maior que toda esta gente que tenta significar e que está por fora!
pois nascerá a gosto e a contragosto de tudo e todos:
augusto.