quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

 "Sorri quando a dor te procurar..." - porque se você der bandeira de algum problema, vem alguém te vender o segredo da vida, ou dizer que tudo só depende de nós mesmos etc...  Sorri, irmão! - "... não que a vida esteja assim tão boa, mas um sorriso ajuda a melhorar"

 

Hoje, muitos de nós têm a sensação de um mundo acessível. E ele, quando não beira o nada, é apenas um coadjuvante de nosso tédio. Alguns (retrógrados em breve?) ainda ousam viver algum mundo concreto novamente, como se a decepção desse já não tivesse inventado deuses, fomentado a nossa fuga pra delírios químicos, religiosos e demais transcendências. Tentamos o concreto, porque tropeçamos nele: vamos pra Europa com aquela grana que nos faça falta talvez. Mas a lá chegarmos, não há dentro de nós real emoção que seja por estarmos na casa que fora do Fernando Pessoa do que a emoção que temos em imaginar a emoção do outro ao ver nossa foto na casa de Fernando Pessoa... Parece que não tememos a inveja alheia, e sim que falte inveja. Buscamos o sentido, a medida de nossa vida no olhar do outro. Vamos aos outros pra saber se nossa vida é boa! Porque ela não é nada, nem boa nem ruim, pois o que não há é o "ser", mas um fazer crer que seja. Um construir o ser, o fazer ele parecer existir, o arquitetá-lo, sugeri-lo, confeccioná-lo, rimar com ele...

Dou conta de que não fomos felizes nas promessas que nos fizeram, então parece que somos quase felizes "prometendo" aos outros. Fazendo, ao menos, os outros crerem em nosso gozo. E esse gozo, muito veladamente - como pedem as boas maneiras, sempre a arrogar-se fruto de nossa superioridade.  

O decorrente desta oferta de tudo, deste acesso ao "tudo", é a diminuição do "terreno" para o sonho. Digo, claro que para quem percebe bem as coisas e está cansado das promessas ofertadas em áreas desconhecidas. Promessas oportunistas de nossa leviandade a esse ou àquele respeito. Para este cidadão, estão escassas as condições de sonhar. As condições do sonho, da ilusão motivadora, por serem muito cultivadas em nossas megalomanias, e muito aproveitadas maliciosamente por publicidades, começam a perder efeito como uma droga muito usada. Enfim, dão com a cara na porta fechada pelo nosso ceticismo protetor. 

O caso, por consequência, é o quanto a vida precisa de ilusões... E as ilusões, para surtir efeito, quanto precisam de uma nossa credibilidade e debilidade? Como é a vida quando não queremos mais nos exportarmos pra sonhos e promessas? O que resta de saboroso diante nossos sentidos numa realidade vista sem esperança, sem promessas e sem sonhos? O que nos serve uma vida plena, fisicamente salutar, quando ela se desvela independente de nossa gerência?  O que resta da vida para quem teve sequestrada, transformada em refém, a sua aptidão pra sonhar? Ora, se temos de pagar o resgate, se trata, antes, de um pesadelo!

Teremos uma pista da falta que o delírio, o sonho, a ilusão faz à vida, se olharmos como os apaixonados, os religiosos, os iludidos mantêm seu vigor à revelia da realidade... Em suma, os tomados por uma causa. Estes são capazes de ignorar a mais óbvia realidade medonha e presente por mais nítida que ela se torne. Veja como sob toda falência de um país, eles estão protegidos numa casca grossa até o instante em que ela se quebrará. Veja como eles estão vigorosos diante de todas as ameaças e misérias ao redor. Se fossem apanhados pela realidade antes do sonho, se vissem antes de delirar, suportariam? Sustentariam ainda um riso? Olhe, amigo, quanto os que "sofrem" o real sobriamente andam a se arrastar apáticos pelas calçadas que não são passarelas para o paraíso!

 


A necessidade (vício?) de sermos bons perante nós mesmos é aquele mal que não deixa  nossa ação fluir livre para o bem-estar, seja ele qual for.