A saudade que eu sentia de alguém, a medida em que o tempo foi passando,
despiu-se de quem como de um traje a rigor.
Furou a orelha, colocou um brinco de frutas...
Trocou de perfume...
Desceu do salto que ruidoso desfilava na minha cabeça,
chia uma rasteira nos paralelepípedos de meu centro histórico,
na feira do meu tórax...
Saliva enquanto experimenta com os dedos o frescor de uma tangerina.
Esta mesma saudade que era uma alma e mal me assombrava
encarnou em quantas outras vidas...
Espalhou-se aspergida por minha cabeça em mil bons olhares...
Distraindo-se em manias, brincadeiras, sonhos frívolos, vícios, conversas...
Nem precisei de exorcista.
Alimentou-se mais saudável, pôs-se a filosofar...
Até que de "quem era" nem como "alguém" restasse!
Digo, até que a saudade já não soubesse de que era...
Emagreceu...
Dobrou a esquina da rua em que fiquei sozinho,
envelheceu e
confundiu suas rugas nas minhas...
nem nos distingo mais no espelho do banho cotidiano.
Flagro-me sozinho sem faltas!
E sua massa ressequida que esculturava a iminência do choro em meu rosto
dissolveu num branco esquecimento...
numa indiferença que vai longe a se perder de vista,
líquida se espalha por cima de todos os planos...
...e que talvez um dia, sem me deter um passo sequer,
diga-lhe "oi!" no passeio
sem me virar a cabeça
ocupada em chegar à padaria.
Os versos que uma inspiração escreveria
ansiosos por carnavais consigo
pularam sozinhos e caíram em ser eu hoje em casa,
sem a formalidade de se fantasiarem poesia...
trajam apenas o pijama dos solilóquios
que a mais ninguém devem entendimento.