terça-feira, 26 de dezembro de 2023

FÉ E FANTASIA

 À medida que de mim me afastava, menor eu me via. Mais de outro me vestia, publicava e experimentava num contra-pudor, num ego autocombatente, mais me fragmentava e me refazia... Me consertava pra um novo fingimento, e me dividia, e me perdia... Mas nunca me perco inteiro, porque tal nunca me achei. Pra se achar é preciso já estar divido em dois: um que procura e outro que espera. Às vezes, o que espera até reconhece o que procura a passar, ambos impacientes de não estarem um íntegro ser. E toda vez que o que procura acha o que espera, já não são o que era. Ser dois ou três, quanto mais, é ser menos um. Ser eu me soa pouco, muito estreito, não me atiro de cabeça, nem de peito, o corpo. Fico do alto a verificar que não me caberia, só me caibo morto. Eu? Herdei outro a fé e a fantasia.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

NÁUFRAGOS

Será também o vício um recurso inconsciente-desesperado para vida continuar. Pelo vício continuamos!

Quando vem a lucidez, não podemos mais sonhar... Obedecemos Baudelaire e nos embriagamos.

Mas a poesia tenha acabado ou não passe de bravata. 

A publicidade asfixiou o verso na gravata.

As coisas já não são colhidas pela espontaneidade, mas empurradas goela a dentro por manipulações redundantes, limitadas alternativas que só possibilitam a confissão de culpa ao reclamante. 

As perguntas na tela são retóricas porque automáticas se repetirão até em "sim" converter nosso "NÃO!"

A tela pergunta se somos um robô.

Pode haver humanidade atrás dela?

O pensamento caiu na rede, vive nos aquários, retângulos, enquadramentos, vitrines...

Dizia ja o ditado: enquanto existir otário, malandro não morre de fome...

...e sequer paga por crimes. 

O Smart nos passa pra trás...

disfarçando atrás do Phone.

Antes dançávamos no ritmo

Agora o algoritmo consome

cada pulsação numa oferta:

Remédios, exercícios, férias, palestras, "psis", dietas...

Atormentam o nosso juízo:

Mas... "Navegar é preciso!"

Recorrer a um amigo?!

No naufrágio o abraço é perigo!


terça-feira, 10 de outubro de 2023

OS MÁGICOS

 Os mágicos estão por aqui há anos. Conheço todos os truques. Para mim não há engano e nem encanto. Então você deve estar se perguntando porque eu continuo neste cansativo espetáculo. É simples! Não consigo ser grosseiro, e não existe outra coisa no mundo que não sejam truques. Apenas assisto o que se põe à minha frente, consequentemente: os mágicos. Os mágicos me perseguem em todos os lugares. A cadeira não é de um circo ou de um teatro. Ou será tudo circo e teatro? Enfim... A todos os locais em que vou me espera um mágico, por vezes acompanhado de outros mágicos. Uma fila deles tentando me motivar a prestar atenção em mais um truque. Frustrados eles também com meu desencanto, fizeram-me seu grande desafio. Disputam entre si qual arrancará de mim o maior interesse. Mas só arrancam pena e raiva. Não querendo me tornar um assassino, cercado de mágicos, preciso vê-los serrarem ao meio mil moças, e fingir qualquer satisfação que os faça partir, senão puxam um baralho, um coelho, um pombo... Eu amava os banheiros, mas ultimamente os mágicos vão até lá e conversam comigo enquanto faço minhas necessidades. Me perseguem para que eu não escape. Me dizem que preciso ver uma nova mágica... me pedem um minuto de atenção. Cansado, abano a cabeça em sim ou não, tanto faz, me acompanharão de volta até a mesa, exigem que eu seja agressivo para irem embora... mas de que me adiantaria agredir, logo em seguida me assumiria outro mágico. Assim só me resta ser condescendente, de modo que me acompanham mesmo até a cama e fazem o seu trabalho ingrato, reclamando de meus bocejos grosseiros. Eles não se deprimem com tudo isto. Não! São obstinados. Gritam palavras de motivação e me impedem um sono tranquilo. A única maneira de diminuir o desgosto é me fingir convencido e esboçar falsos sorrisos, por quais talvez eles se deixem fingir também convencidos. Ou inventar alguma desculpa para o momento em que não consigo rir ou arregalar falsos olhos de surpresa. 


Tudo que desejo é acordar e não haver mais mágicos. Eis a mágica que me encantaria: que todos eles desaparecessem num piscar de olhos. Para sempre! E pudéssemos cuidar da realidade invés de tentar enganá-la.


 





quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Imensurável

 

Só nós sentimos
O céu infinito não sente nada
As estrelas, a lua, o Sol sobre tantos sonhos
Capaz de cego acabar com a vida num piscar de nossos olhos
Os astros para si mesmos não interessam
Apenas a vida lhes empresta algum valor.
Diante de coisas imensas como o mar podemos nos achar pouco como um gota
Mas a imensidão do mar é só uma perspectiva nossa. Para tudo mais que está morto, o mar, uma gota ou a inexistência da água são iguais artigos nulos.
Ainda que nos pareça um tanto triste isso de estarmos sós em finitude percebida e em sentimentos no meio da eternidade morta...
A vida escoará da matéria como água entre dedos,
e a pessoa desfeita
será doravante exclusivamente objeto na sintaxe das conversas.
Enterrados, secos...
Não seremos senão uma lembrança entre ruim e saudosa...
Memória cada vez mais rarefeita nos outros.
Cada vez mais mortos.
Cada vez mais poucos, os outros também.
Cada vez mais bem acabada a matéria-prima do nada.


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

O mal vence. Não só nas lutas do mundo, mas dentro de nós. É contagiante! Se propaga em todo nosso ser... O bem nos leva pra cama, nos nina, nos faz dormir. O mal nos desperta. Nos exalta! Só o ódio esperançoso suporta o sacrifício persistente de viver. A vontade de responder, retrucar, lutar compõe o primeiro instante. Pode sentir agora? Quando se resiste, eis o segundo instante, que é de se conter até conseguir esquecer e transformar em indiferença... Percebe? Por último vem a submissão: O bem... - a incapacidade de nos impormos em outros instantes, nos derrama no instante moral: "...mas somos bons!" Dar ao soco a outra face e ganhar no discurso moral. Mas sem o mal praticado, podemos acabar ressentidos. Sem a resposta ao soco, sem o palavrão, sem o desafio, sem por a vida em jogo perdemos pra quem a coloca em jogo! Seja por falta de imaginação, astúcia ou o que seja... Somos doentes! Sensíveis doentes! Captadores da dor! A doença que se evita na relação externa, tantas vezes é inevitável e acaba por se dar na relação interna, de nós com conosco. A civilização se faz nas nossas costas, os delicados, frágeis... Precisam mais dela, das autoridades, que nos protejam do animal homem em nós mesmos e nos outros. O mal vence, sempre. Contar a história e se passar pelo bem é tão só o selo da vitória do mal.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

 

levarei eu...
Quebrado, desinteiro,
Imerso em CPF, RG e comprovante residencial.
Ou outro antes de mim acordará
Mais cedo e pontual
A contragosto de ser bicho
Se maquiando e apesar disto
se provará ser eu no reconhecimento facial.
Assumirá minha conta, minha família e a vida profissional...
Banal dirá "bom dia!"
Livrar-se-á de mim num oportunismo matinal
Outro, diagnosticado eu mesmo.
Por qualquer clínico geral!
Sofrendo de mim tal de uma doença terminal.
Irreconhecível outro atrás da minha digital.
Contará uma história em cada esquina que me verifique,
De mim, um verossímil visual, uma menina o reconhece do tique ao gesto casual...
Eu mesmo, outro, me fazendo crer igual.
Uma pintura realista
Pois o que despista é o que é real.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Prudências em imprudências

 O dispêndio intelectual e emotivo pra evitar problemas pode ser maior do que o ocasionado pelo problema em si.

Muitos de nossos problemas estão mais perto de serem solucionados pelo esquecimento ou pelo acaso do que por uma providência possível.

Cheguei numa idade em que a realidade despiu-se quase inteira da beleza do sonho. Agora toda beleza que vejo está presente.

Carcereiros da culpa vigiam nossa alegria em seu caminho de liberdade para que ela não faça bobagens e não se estenda à felicidade.

O filósofo conversava com umas moças no alto de um castelo até que chegou o poeta e ele se atirou pela janela. 









quarta-feira, 5 de julho de 2023

 - Nossos mínimos gestos, todos os nossos movimentos são para nosso bem. Ninguém é capaz de mover um dedo contra si mesmo. É um imperativo!


- E os suicidas?


- Crêem estar escapando de um grande mal, que seria continuar a vida.


- E se eu fizer isto! - dando um tapa violento no próprio rosto. 


- Eis que lhe dói menos este tapa do que se flagrar equivocado numa contra-argumentação.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

ainda falta o homem descobrir a roda para além de facilitar os caminhos

eliminar os lados opostos

quinta-feira, 23 de março de 2023

SUPONHO OU SEI?

O suposto é mais agradável do que o que se sabe de fato. Se sabemos de fato, não é tão nosso, pois há fatores externos que comprovam; logo, outros também podem saber, isto quando já não se trata do óbvio corriqueiro que não atrai nenhuma apreciação. O que supomos é mais exclusivo, mais novidade, mais particular, descompromissado... A suposição tem o timbre de voz de nossa vontade a preencher o silêncio de verdades indiferentes.

quinta-feira, 16 de março de 2023

CARDÁPIO MUSICAL

 ADRIANA CALCANHOTTO

Devolva-me 

Esquadros

Vambora


ALCEU VALENÇA

La Belle de jour 

Anunciação 

Morena Tropicana 

Dois animais

Tesoura do Desejo


BELCHIOR

A palo seco

Alucinação

Como nossos pais

Coração selvagem

Divina comédia humana

Galos Noites e quintais

Medo de avião

Paralelas

Comentários a respeito de John

Rapaz latino americano

Retrato 3x4

Sujeito de sorte

Todo sujo de batom

Velha roupa colorida


BIQUINI CAVADÃO

Janaína

Vento ventania


CAETANO VELOSO

Cajuína

Desde queno samba é samba

Força estranha

Leãozinho

Luz do Sol

Você é linda 

Você não me ensinou a te esquecer 

Sonhos

Sozinho

Reconvexo

Qualquer coisa

Queixa

O Quereres

Sampa


CARTOLA

As rosas Não falam

Corra e olha o céu

O mundo É Um moinho

Preciso me encontrar 


CÁSSIA ELLER

ECT

Malandragem

Nós

Socorro


CAZUZA

Codinome Beija-flor 

Exagerado

Faz parte do meu show 

O tempo não para 

Preciso dizer que te amo

Trem para as estrelas


CHICO BUARQUE


Cotidiano

Construção / Deus lhe pague

Deixa a menina

Feijoada completa

Futuros amantes

Geni e o zepelim

Homenagem ao Malandro

João e Maria

Mambembe

Meu guri

O que será que será? (À flor da pele)

Roda viva

Samba do grande amor

Sem compromisso

Sou eu

Quem te viu, quem te vê

Trocando em miúdos

Valsinha


CHICO CÉSAR


À primeira vista 

Da taça

Deus me proteja

Mama África 

Onde estará o meu amor?

Pensar em você 


DJAVAN


Boa noite

Nem um dia

Se

Te devoro

Oceano


DOMINGUINHOS


De volta pro aconchego

Lamento sertanejo 

Gostoso demais

Te faço um cafuné

Xodó


EMÍLIO SANTIAGO

Saigon

Verdade chinesa


ENGENHEIROS DO HAWAII

Pra ser sincero 

Refrão de Um bolero

Somos quem podemos ser


FAGNER

Borbulhas de amor

Canteiros

Deslizes 

Espumas ao vento



FREJAT

Pedra, flor e espinho

O poeta não morreu

Por você 

Segredos


GERALDO AZEVEDO


Bicho de sete cabeças (instrumental).

Dia branco

Dona da minha cabeça

Moça bonita

Petrolina-Juazeiro


GILBERTO GIL

A novidade

A paz

Drão

Estrela 

Não chores mais

Vamos fugir


JOÃO BOSCO 

O bêbado e a equilibrista

Incompatibilidade de gênios 

Nação


JOÃO NOGUEIRA

Batendo à porta

Boteco do Arlindo

Corrente de aço

Minha missão

Poder da criação 

Súplica


LEGIÃO URBANA

Ainda é Cedo 

Eu sei

Hoje a noite não tem luar

Pais e filhos 

Por enquanto

Tempo perdido

Quase sem querer


LENINE

É o que me interessa

Hoje eu quero sair só 

Paciência

Tudo por acaso


LULU SANTOS 

Adivinha o quê

Apenas mais uma de amor

Certas coisas

De repente, Califórnia

Tão bem 

Tempos modernos

Tudo bem

Vida


MARISA MONTE

Amor i Love you 

Velha infância 

Vilarejo 

Não vai embora

Balança a Pema

Dança da solidão


MILTON NASCIMENTO

Bailes da vida

Canção da América

Quem sabe isso quer dizer amor

Travessia


NANDO REIS

All Star

Segundo Sol

Por onde andei

Relicário


NELSON GONÇALVES

Modinha 

Naquela mesa 

Nada além

Nervos de aço

Onde anda você?


OSWALDO MONTENEGRO

Bandolins

Lua e flor


NOVOS BAIANOS

Preta pretinha

Mistério do planeta

O caso deles


PARALAMAS DO SUCESSO

Aonde quer que eu vá

Lanterna dos Afogados

Meu erro

Quase um segundo

Vital e sua moto


SEU JORGE

Burguesinha 

Pretinha 

Mina do Condomínio 

Zé do caroço 

É isso aí


TIM MAIA

Gostava Tanto de Você

Você

Hoje resolvi mudar

Primavera

Eu amo você

Azul da cor do mar

Não quero dinheiro


TITÃS

Cegos do Castelo

Enquanto houver sol

Epitáfio

Nem 5 minutos guardados

Pra dizer adeus

Sonífera Ilha


VANDER LEE

Onde Deus possa me ouvir

Esperando aviões 


ZECA BALEIRO

A flor da pele

Babylon 

Bandeira

Envolvidão

Lenha

Proibida para mim

Quase nada 

Telegrama 


ZÉ RAMALHO

Admirável gado novo

A terceira lâmina

Avôhai

Beira-mar

Chão de giz

Entre a serpente e a estrela

Eternas ondas

Frevo mulher

Garoto de aluguel

Jardim das Acácias 

Sinônimos

Táxi lunar

Vila do sossego



POR ESTILO

BOSSA, BOLEROS E SAMBA CANÇÃO 

Garota de Ipanema 

Chega de Saudade 

Corcovado (instrumental)

Samba do avião

Samba em prelúdio (instrumental)

Amigo é para essas coisas (instrumental)


ROMÂNTICAS

Só hoje

Frisson ( Meu coração pulou...)

Meiga senhorita

Tocando em frente 

Chalana

Pareço um menino

Quem de nós dois

Amor Perfeito

Detalhes

Eu te amo 

Eu sei que vou te amar

Carinhoso

Cabelos negros (Eduardo Dusek)


SAMBAS 


Andanças

Cabide

Cara valente

Mais que nada

Não deixe o Samba morrer

Trem das onze

Tiro ao Álvaro

Sonho Meu

(Alguém me avisou) Foram me chamar

Voz do morro

Samba de Arerê 

É hoje

Vou festejar

Você abusou

Pecado capital

Maneiras (Se eu quiser fumar eu fumo...)

Você e eu sempre (Aí foi que o barraco desabou...)

Essa tal Liberdade

Tristeza


XOTE, FORRÓ, BAIÃO...

Asa branca

Falamansa song 

Confidências

Xote da alegria

Colo de menina

Esperando da janela

Nosso xote (moreno, me convidou...)

Ai que saudade d'ocê

Sabiá (a todo mundo eu dou psiu...)

Se avexe não


OUTRAS

Pé na areia

À sua maneira

Baianidade nagô

Boa sorte (Vanessa da Mata)

Desculpe o auê

Camila

Casinha branca

Chuva (você que tem medo...)

Como eu quero

Fácil

Garotos II

Mal acostumado

Menino da porteira

Meu bem querer (Maurício Manieri)

Minha alma (paz sem voz)

Muito estranho

Na rua, na chuva na fazenda.

Noite do prazer

Olhos coloridos

O Sol (Para onde tenha sol)

Para não dizer que não falei das flores

Pescador de ilusões 

Serafim e seus filhos











quinta-feira, 2 de março de 2023

A VIDA É MAIS "E" DO QUE "OU"

os homens entre uma coisa e outra pensam em alternativas: uma coisa "OU" outra.  e brigam por uma com aqueles que querem outra. se percebessem que a vida orbita entre uma "E" outra, cuidariam mais de equalização do que de certo OU errado.

Todo o "ser" pertence a um mundo funcional: só se "é" para "algo".

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

SOLILÓQUIO

A saudade que eu sentia de alguém, a medida em que o tempo foi passando, 

despiu-se de quem como de um traje a rigor.

Furou a orelha, colocou um brinco de frutas...

Trocou de perfume...

Desceu do salto que ruidoso desfilava na minha cabeça, 

chia uma rasteira nos paralelepípedos de meu centro histórico,

na feira do meu tórax...

Saliva enquanto experimenta com os dedos o frescor de uma tangerina. 

Esta mesma saudade que era uma alma e mal me assombrava

encarnou em quantas outras vidas...

Espalhou-se aspergida por minha cabeça em mil bons olhares...

Distraindo-se em manias, brincadeiras, sonhos frívolos, vícios, conversas...

Nem precisei de exorcista.

Alimentou-se mais saudável, pôs-se  a filosofar...

Até que de "quem era" nem como "alguém" restasse!

Digo, até que a saudade já não soubesse de que era...

Emagreceu...

Dobrou a esquina da rua em que fiquei sozinho,

envelheceu e

confundiu suas rugas nas minhas...

nem nos distingo mais no espelho do banho cotidiano.

Flagro-me sozinho sem faltas!

E sua massa ressequida que esculturava a iminência do choro em meu rosto

dissolveu num branco esquecimento...

numa indiferença que vai longe a se perder de vista,

líquida se espalha por cima de todos os planos...

...e que talvez um dia, sem me deter um passo sequer, 

diga-lhe "oi!" no passeio

sem me virar a cabeça

ocupada em chegar à padaria.


Os versos que uma inspiração escreveria

 ansiosos por carnavais consigo

pularam sozinhos e caíram em ser eu hoje em casa,

sem a formalidade de se fantasiarem poesia...

trajam apenas o pijama dos solilóquios 

que a mais ninguém devem entendimento. 







Estilhaços nostálgicos

Fragmentos de afetos antigos, da infância e juventude quebrada, chocam-se contra minha alma, chegam no veículo de uma imagem, um cheiro, uma melodia... Não são lembranças íntegras que se localizam, não se trata da falta específica de alguém, nem de uma época como um todo. São cacos de peças irreconhecíveis, irreconstruíveis... Parecem saudade de sensações! Como sei que se tratam de afetos antigos? Há saudade nelas. Elas não me fazem querer o presente e nem o futuro. Quando esses fragmentos me atingem, eu tento me concentrar para montar a imagem inteira, a peça inteira... e reconhecer de que é exatamente a saudade que me causam. Mas em geral não consigo encontrar e nem continuar sentindo aquele gosto bom de vida. Isto tem acontecido demais comigo. Suponho que um vazio presente é como uma tela em branco para que mínimas cores se projetem numa pintura nunca realista. É como ter chupado uma laranja e depois lembrar dela numa textura na língua, ou seja, por parte muito pequena do que ela me propiciou... Será que aquilo que lembro inteiriço na saudade: parentes que se foram, brincadeiras, amigos distantes... - já se desgastou enquanto sentimento, já não me provoca, e então sinto falta não dos objetos inteiros, mas de sensações que estes me causavam? Talvez eu tenha descoberto que a saudade não se faz de figuras inteiras, mas de pedaços. Então não consigo mas ilustrá-las como saudades de um parente falecido. Por exemplo, é possível que eu sinto saudade de uma emoção causada durante uma brincadeira que tive com meu tio, e até então eu nomeava de "saudades de meu tio". Pois assim seria mais fácil expressá-la ante os demais e ante mim mesmo. Nesta hipótese, eu precisava da imagem do meu tio para transformar tal sentimento em algo inteligível, me propiciando uma sensação de compreensão, então parecia saciar determinadas ansiedades que surgem associadas a tais sensações, e também me possibilitaria comunicar tal sentimento com mais facilidade, me entregando uma sensação de comunidade com outras pessoas que manifestassem assim também suas nostalgias. Penso também que compreendendo de uma tal maneira uma determinada coisa, se perde por ela algumas esperanças e se nutre outras de maneira conveniente. 

É como se eu tivesse a saudade de sentir de uma tal forma o mundo, e não a saudade de um mundo. Não tenho então a ilusão de poder reviver, mesmo porque se eu pudesse reviver aquilo que se passou comigo, está vivência não tiraria de mim a mesma apreciação. Da pra entender? Em suma, não é falta da coisa, mas do que ela parcialmente me causou de sensação! 

Tenho sentido isto muito recorrentemente. Por exemplo, hoje vi a imagem de um cara todo enfaixado na internet e foi como um caco de algo... De quando eu ficava doente?... De alguma ocasião quando me machuquei ou alguem se machucou? Que sensação seria essa resgatada a partir da imagem? Uma esperança de cura? A atenção que eu recebia quando adoecido? Que objeto me causou tal sensação? Ainda posso despertá-la? Não devo tentar sentir algo assim novamente pois não seria possível? Morreu algum dos ingredientes necessários - inocência - para que eu sentisse de tal maneira? 

Sinto falta da vontade que eu tinha da rua, dos amigos, do outro, do entusiasmo com terminar o almoço e retomar uma brincadeira, o prazer de começar a sonhar com coisas antes de dormir, num mundo de faz de conta... Bem, isto tem acontecido, e eu sempre tento mergulhar mais e tentar reconstruir o vivido pra ver se é algo que posso reencontrar na vida, ou pra me entender melhor... Mas é como num sonho em que as coisas que você quer lhe escapam e você desperta antes de conseguir alcançá-las.

A verdade é o fim da liberdade da interpretação.

sábado, 21 de janeiro de 2023

Vivo melhor do jeito que vivo menos. Quando paro pra agarrar a vida, calcular, verificar... sofro vendo que ela passou. E é este tempo debruçado sobre as perdas que dura, mas então quando gostaria que passasse... E o que passa alegre, por não ter olhado pra si mesmo, sem  ter sido visto, parece mal aproveitado. 





segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

um ceticismo para o inédito

As coisas tão mais substanciais porque em serem vagas estavam mais preenchidas por sonhos do que pelo vazio da realidade. Um domingo e seu tempo eram qualquer coisa de fantástico... A presença de meu pai vendo tv à noite, cada hora estava repleta de significância. O som pela casa, entre as paredes, as falas atravessadas da tv e da família. Os amparos tantos: Pais sob o mesmo teto e avós na casa em frente. Amigos, primos que viriam nas férias, brinquedos e brincadeiras... Tanta alegria disponível, que hoje nem sei como vivo ainda neste deserto. Numa espécie de insistência burra e covarde. O coração nem precisava colher esperanças. E não havia grande espera por nada. Nenhuma ânsia. E o que  pior se anunciasse já chegava esquecido.

A culpa agora não está no que não é, mas no que por saber na cabeça não posso sentir. Antigamente cada rua reiniciava o sentido da vida. Cada casa e família que eu conhecia. A voz e o jeito da tia de um amigo... Subir um elevador... havia esperança em se chegar a um novo bairro, em andar por aí...Agora tudo pertence a um compêndio do vivido... Não há entusiasmo para quase nada, sentamos e comemos, levamos ao estômago a satisfação que não damos à vida. Apenas uma fome que preguiçoso me leva à padaria mais próxima. Os dias mal começam e estão mortos de cansados como ter vindo a um evento desgostoso e ficar porque já não há a casa pra onde eu voltaria.

A vaidade de agora me culpa por antigas feiuras despropositadas.

Esta sua pretensão de credora se não é também feia me é ao menos bem inconveniente.