terça-feira, 25 de setembro de 2018

TURISMO EM GENTE

não quero voltar no tempo
nem sonho lugares para ser feliz.

meu sonho não vira páginas de revista,
minha felicidade não cabe em fotografias.
não evaporo imagem para a outra vida
não sou a lady de "stairway to heaven"

helenismo, renascimento,
romantismo...
nenhum momento
europa ou states..
nenhum turismo!

tudo me soa besteira!
não me falta o caribe ou a costa brasileira...
ah! se eu achasse alguém no sacolão...
seria uma vida inteira!

já soube minha alegria encontrada
numa roda de samba
nessa gente misturada
numa calçada qualquer

vou ao inferno com Pessoa
e torna-se bela a vista.
não vou a lugar algum 
com esses consumistas!
não me serve cancun
com esta gente boa!

quebrei relógios, queimei calendários
rasguei as passagens
só ao outro fiz as viagens
e 40 anos andei no deserto:
em meu quarto solitário,
desfeitas as miragens, 
me acho livre austero desperto.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018



tenho por experiência que temos mais de nós
enquanto bichos

enquanto gente
distanciamos do encontro.

o animal humano entrou em extinção
por sede do outro
a civilização é a indústria dos desertos

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A BICICLETA

a bicicleta no fim do corredor 
virada para a parede
é o que resta desta vida:

sou pneus que esvaziam lentos
sem ansiar qualquer passeio 
ou acreditar em encontros.
sou a preguiça a cobrar da vida razão 
que ela não tem para me pôr em exercício.

a bicicleta desliza apenas nestes versos:
vielas tristes de arrastar meus sentimentos,
jeito poeta de engolir o tempo
como um antídoto contra existir.

existem como notas de falecimento a prazo
os objetos sem alegria assim deixados. 
são flagrantes de desejos desbotados,
querer arquivado.

denúncia muda de minha volatilidade
a banhar-se na chuva insossa do descaso. 
o destino dos sonhos realizados é oxidar.
o selim é lembrança que de ali 
uma infância estatelou em mim.

a bicicleta virada para a parede adivinha:
"saber o destino desgosta o caminho".
só a questão "quando chegarei?" permanece
num timbre debochado da vida.

fosse filosofia de fugir de mim
e não de levar-me estúpido à padaria,
enchesse os pneus, pedalasse sem freios...
a pé, tardo na realidade!

o caminho achasse sua graça 
no sentido de despedida.
mas não! a bicicleta desistida só me leva a
testemunhar mortes e mortes depois da minha:

ah viver em cores que desbotam, 
brinquedos que viram tralhas, 
amores que já não persuadem 
nem no passado, nem no futuro.

a bicicleta me arranha parada:
"és horrível e não te amas!
pela vida tens apenas obsessão e teimosia!
gradativamente  amar e odiar
se envergonham ante teu intelecto.
quem amaste e quem te amou 
lustra à lucidez o desperdício do sentimento".

aconselha que me promovo ausente
não tomando as vias reais,
preservo-me ao menos imaginação alheia,
na forma gentil de saudade
ou senão alívio.


a bicicleta diagnostica
a paraplegia das jovens possibilidades.
gritando aos meus olhos 
nossa utilidade inutilizada,
nossa alegria anêmica.

o freio, que era a segurança 
desta liberdade em duas rodas, 
que o equilíbrio de um ingênuo merecia,
tornou-se um acessório tragicômico 
por sua excelência em nulidade
que é como ter juízo para conduzir uma vida sem graça!

o silêncio da bicicleta sabe um menino perdido e 
que o abandono é o destino do que se faz posse.
conta-me que deus não sonharia existir
declinaria do eterno erro de se replicar
pelo definitivo acerto de extinguir-se.









quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Já pensou se todo mundo existisse?

ADEUS, RELIGIÃO!

Já não quero ir longe, porque estarei por dentro. Tenho memória de mim, eis o que de mim me aproxima e o que "eu" me faz. Não acho razão para correr mais que me corre o tempo sem razão alguma. Vou de encontro ao fim, deitado como um bichano na ternura de minha cama. E pros amores que restam, se não sou indispensável utensílio afetivo, estou à beira do abismo do esquecimento. Com relação a isto, já não ergo a voz a reclamar consideração. Enxergo-me e soo ridículo! Vejam! Sou pequeníssimo, pouquíssimo! Fui à lua em minhas alucinações e nem me vi mais na minha própria vida. Ah, esta luz acesa apagou muitas belezas cultivadas na liberdade da escuridão. 

Assim como quanto ao amor, desconheço o que seja a saudade. Ao tentar apanhar minhas faltas (saudade, nostalgia...), desemboquei no vago entendimento: a saudade são mãos vazias que vazias se sentem. Nada mais que isto me pareceu! No mais, os sentimentos nunca andam sozinhos, somos eles. Mais do que eles se desenham em nosso semblante, que podemos depois além de menti-los? Que podemos depois, em termos de verdade, se - tardios noticiantes - já estamos em posse de outras sensações? Que podemos com letras de entendimento sobre o que foi sofrido? Sempre que tentamos lançar luz nos sentimentos, nosso olhar se faz sol das cinco da tarde: amplificamos suas dimensões, deformamos a realidade em nova realidade medonha, comovente, cristã... e perdemos suas cores todas, projetando apenas uma enorme sombra no chão indiferente. Só sentir é sol de meio-dia, sentir é e não o sabe: não projeta sombras a serem pisoteadas no passeio público idiomático. 

Como tudo, os sentimentos não são puros! É limitação posterior de podermos apenas imaginá-los, a limitação de ilustrá-los, o desejo de exibi-los como nossa posse ou de nos exibirmos como posse deles, que nos faz inventá-los puros, discerníveis, e pretendemos que até factíveis aos demais. Mas os sentimentos não são distinguíveis ou insuspeitos como as expressões pretendem e muito menos se transmitem íntegros e fieis de um para outro indivíduo. Sentimentos não vão em cartas: um aqui se envelopa, outro lá se rasga! Se penso a vida como uma firma, leio no mural o documento: "Faço saber por meio deste memorando que o amor esteve aqui, foi sentido e deixou-nos as 14 horas desta segunda-feira eterna nas mãos de uma saudade enorme..."


Qualquer metáfora para uma saudade? Água que bebíamos, restou no jarro, um descuido sempre presente despejou tudo no rio. E agora? Como achar a porção que ali se misturou, como distingui-la? Então "jamais" é o som que o rio faz! Porém, há mais água vindo, uma sede esquece outra.  

Sentimentos vagos! Gritamos tanto seus nomes,  precisamos tanto torná-los reais, vivenciáveis, palpáveis. Queremos significar! "Homem Semanticus", que patético! Escoa de mim o tempo em que bastava a beleza! Assento minha personalidade atrás das rugas, atrás do prenúncio infindo da morte. Agora? Para lá com estas abstrações! Deito meu corpo no presente! Gosto de meu apetite como daquilo que está bem estabelecido, aquilo que não é preciso falar muito a respeito, que não depende de fé, de crenças. Aquilo com que se sabe estar em silêncio consigo mesmo. Com meu apetite me alimento e pronto! Não preciso de filosofias ou sermões. Finda a conversa nenhuma que é estar satisfeito. 

Enquanto "nós" somos difíceis e complicados. "Sós" somos mais simples, como nossos animais domésticos. Sou de mim meu animal doméstico, a mim mesmo domestiquei para "conviver-me"! Aceitei o transitório! Já não sinto como empecilho para a vida a falta do que passou. Peço o recibo do aluguel que pago na corrente contagem do mês seguinte! Nada está parado! Conformei-me cantarolando uma canção de Chico: "Passou este verão, outros passarão, eu passo." Então, quem pode suportar isto? Quem há sem querer deixar marcas? A princípio, com as janelas fechadas para nossa enorme nulidade e  incompetência, desejamos que o mundo sofra uma devastação de nossa ausência. Senão, ao menos alguém sofra, quem sabe um amor! E para melhor sentirem nossa falta, somos generosos em negar nossa intenção. Adequei-me ao presente e escorrego suave das mãos de um amor, sou dele um gozo e bem quisto ante mim mesmo, como num espelho generoso. Mas... e depois? Serei promovido a falta? Ah, desconheço minha competência para virar saudade! Mais ainda desconheço a capacidade do outro de senti-la. Tenho que ele saiba melhor menti-la que qualquer outra coisa!

Quantas vezes nos satisfazemos com as hipóteses vastas com pudor de vivermos a vida estreita possível? Aquela vida que cabe no agora, aquela que dá um sorriso sem sabê-lo, sem entendê-lo, sem calculá-lo! A vida que sofre "bulling" da esquizofrenia das possibilidades infindas. A satisfação maior com as hipóteses é um sintoma mórbido de gostar mais de viver desencarnado e ausente. Quem quis honrosamente viver como ideia escreveu livros e suicidou. Deixo o infinito cuidar do que penso, não me afobo a caminho de uma verdade platônica, vejo que é o mesmo caminho pra lugar nenhum. Por ora, vou ao que finda com tudo! Ergo-me no presente! Ontem um verso, hoje outro. Quero tudo aquilo para que tenho corpo, para que tenho vontades e para que falo esta língua.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

UM GATO

sonho viver como um gato, 
acordo homem como um castigo,
com versos que miam e arranham as portas
fechadas dos cômodos com 
caixas-de-areia.

sonho ser gato:

fazer de prolixas e dispendiosas 
declarações de amor 
um ronronar 

debruço melhor meu tempo 
no castanho de uma folha na calçada 
a crepitar no vento
do que no rosnado feroz 
das ambições nervosas no pavimento.

veloz animal em causa própria!
bichano,
deitarei meu sono no frescor dos umbrais,
terei o corpo na casa e os olhos na rua como num rio.


hábil,
serei capaz de viver
em cima do muro:
entre matar os ratos ou 
morrer na boca dos cães famélicos.

dali balançarei a cauda melíflua
qual estandarte da indiferença do mundo
ante os latidos!
e minha urina emprestará odor agudo
à impotência das cercas.


entre as pernas de quem
eu abraçaria humano,
escorregarei felino delicioso
como língua em caramelo.

e principalmente gato,
nunca mais contradirei meu coração.


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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

NÃO FAÇO QUESTÃO

não é que tenho medo que façam de mim uma alegria ou um consolo, tenho a sabedoria do que me responsabilizarão por qualquer monumento meu quando já não puderem fazê-lo devoto de seu prazer. tornou-se insuportável a ideia de "me dar" à outra pessoa, de me comprometer a algo com ela. é simplesmente repelente suspeitar numa frase qualquer ciúme ou vigilância com relação ao meu corpo ou à minha presença. recuso-me a dar importância moral ao sexo, seja para degradá-lo ou enaltecê-lo, seja para chantagear moralmente um outro corpo. sempre me arrepiei de engano ao ter de usar a expressão para algum entendimento: "a minha mulher". ora! nunca tive uma mulher e nem pretendo tê-la. o odor de outro começa quando este considera pouco meu comprometimento com ele e demasiado meu comprometimento com a minha solidão ou existência, apodrece quando me aconselha, apetece-me evaporar se ele me exige. por certo, sou pouca coisa. pouquíssima! aliás, não tenho pudor de ser coisa pouca para o outro, coisa má, coisa culpada. ele é tão "outro" que não intui  sequer que não me "comprometo" com minha solidão, eu a "descubro" cada vez mais. apenas isto! é tão fácil distraí-lo de sua solidão, servem-lhe dramas corriqueiros, novelas, noticiários... ocupo-me de mim, que posso mais? o que você me sugere? de maneira que, por mais tenebrosa seja a solidão, é no outro que ela se torna mais plena. não! não é entre paredes ou imaginando um mundo "irreal" que estou sozinho à pior maneira. as paredes e o crânio são apenas artefatos de privacidade e segurança. como animal, estou mais ardorosamente só na hipocrisia fundamental da civilização. nunca estive tão só como entre os importantíssimos filhos de Deus, para quais eis o mundo como herança de cristo e a vida como uma fase de testes. e meu cidadão, só se dando um pouco à hipocrisia dos homens que reclamam, goza de alguma proximidade. ah, os populares! o que chamam de "felicidade" me embrulha o estômago. não posso lhes ouvir dizer que algo é importante sem mentalmente tornar-me um astronauta e lançar-me para longe desta galáxia. quem quer que pinte a realidade com demasiada gravidade (importância) está sempre atrás de uma mula recheada de compaixão. sim! outrora quis resolver a questão "relacionamento" em minha vida, hoje percebo que não há esta questão. mais, não me importo com quem sou, com de onde venho e para onde vou. estou satisfeito quanto a estas "picuinhas" a tal ponto, que me basta o leviano alcance em biologia. saber quem sou seria me tornar estático, pois algo que pode ser possuído por uma sabedoria deve obviamente estar definido; saber de onde venho me mostra algo gosmento e saber para onde vou me enche de vermes. não sou de saber, sou de me gastar - eis o que é o bem da sabedoria! se sou algo, é antes desconfiado com o verbo. pois sim! não faço questão, entendo que a vida não é resposta, a vida não é nem mesmo "algo" e muito menos "algo a ser solucionado". de dar fim, a morte se encarrega. se me vejo a rir com outro, rio de nossa impotência, de nossa tragicomédia, de estarmos sem saída e de não podermos nos fazer satisfatória companhia, mas ainda nos podemos dar risos e bons momentos. qualquer amizade que tive e terei deverá ser sempre obra de uma arte frívola e superficial, pois se vista - por exemplo - profundezas como esta, o ser moral se desagrada como quem presencia vísceras putrefeitas. assim sendo, o único deus que concebo é aquele que nas ruas me diz "Vá pra casa!"
A solidão é onipresente.
Deus é um eufemismo.

domingo, 9 de setembro de 2018

PELADA

Mas este Sol lembra de mim e mil amigos. Esses campos sabem, baldios terrenos de outrora. As traves frouxas, as redes quase nunca, e mais furadas que a copa de um pé de cajá-manga pela Luz da 17h, horário de treino! A lagarta queimando a mão de Alexandre Henrique, que foi abraçar a árvore. Alexandre Gargamel, senhores! Que morava no morro da marinha, onde até hoje esteja talvez "Allen Anderson" - seu nome virou um verso-amigo-meu, meu amigo! E ele casou com a Viviane, que na mesma escola estudava. "Meu Deus! Esses vão juntos mesmo!" E Cássio -  seu primo, Allen - era um craque! Você em matemática me passando resultados exatos escritos na borracha. Terá virado um cientista? Um Engenheiro Civil? Ou...? Estará funcionando num sistema binário? Eu, como se vê, sigo jogando conversa fora! E já não vejo amigos assim! Daqui a pouco farei um gol de bicicleta; eu, este jogador medíocre. Este sol sabe também as carambolas do pátio da escola. Aquelas árvores tantas! Sempre tive fome da vida, e as vezes dei a ela gosto de fruta apanhada no chão da oportunidade. Este sol sabe o campo do Topo Gígio, o campinho do quintal da casa de Jorge, o campo do Cais do Porto, o campo do Camelo... Vejo Júnior Cabeção brigando com Puã, que era um fera e driblava sem correr, apenas andando. Puã tomava nossa bola com tanta facilidade que dizia comigo mesmo: "A bola é dele!" - adivinha a inflexão que há nisto: sério e sentencioso: "A bola é dele!", e virava um figurante do filme Puã. Slogan? "A glória máxima em ser outro". A gente é que as vezes estava com a bola roubada. A bola era dele! Nunca ouvi falar na televisão, não com este nome. Mas acho um erro se a vida não deu a ele a camisa de um clube, revelando aquele artista popular, queria ver ele adversário de outros. Marcos Aurélio ajudando o amigo na briga, aquela roda dizia: "Deixa eles dois! Deixa os dois se resolvendo! Se mete não!" Essas rodas que os homens fazem em torno de tudo que briga e pode ser que sangre, é a maior civilização que podem, fazer rodas em torno do inferno. Este Sol sabe estes anos todos, e sabe nos pintar de dourado. Mas a gente sabe que o Sol não é o mesmo. E pra muito nosso, anoitece.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

da esquerda pra direita

já nem discuto, porque a sua discussão é pra ganhar de mim e não: chegar a um fim melhor conosco.
não vou querer saber de você! pois sei que tudo que sei é ruim porque se tornou sabido. uma vez que para ser sabido foi experimentado, degustado e desgastado até virar parte do que não me impede ao tédio. não vou querer saber nada! não preciso da segurança dos que temem morrer e querem saber probabilidades de sucesso disto ou daquilo antes de entrar nisto ou naquilo que não pode deixar de ser a vida, e pedem garantias pra cada sentimento que devem deixar correr! eu não sou um investimento e não farei de mim um investimento. quero da vida ao menos uma vez ter passado, sem medo do veneno, a língua toda num aroma que me conquistou. porque era antes do seu cheiro que eu vinha morrendo mais ligeiro e sem sentido em ter sentidos.