quinta-feira, 20 de setembro de 2018

ADEUS, RELIGIÃO!

Já não quero ir longe, porque estarei por dentro. Tenho memória de mim, eis o que de mim me aproxima e o que "eu" me faz. Não acho razão para correr mais que me corre o tempo sem razão alguma. Vou de encontro ao fim, deitado como um bichano na ternura de minha cama. E pros amores que restam, se não sou indispensável utensílio afetivo, estou à beira do abismo do esquecimento. Com relação a isto, já não ergo a voz a reclamar consideração. Enxergo-me e soo ridículo! Vejam! Sou pequeníssimo, pouquíssimo! Fui à lua em minhas alucinações e nem me vi mais na minha própria vida. Ah, esta luz acesa apagou muitas belezas cultivadas na liberdade da escuridão. 

Assim como quanto ao amor, desconheço o que seja a saudade. Ao tentar apanhar minhas faltas (saudade, nostalgia...), desemboquei no vago entendimento: a saudade são mãos vazias que vazias se sentem. Nada mais que isto me pareceu! No mais, os sentimentos nunca andam sozinhos, somos eles. Mais do que eles se desenham em nosso semblante, que podemos depois além de menti-los? Que podemos depois, em termos de verdade, se - tardios noticiantes - já estamos em posse de outras sensações? Que podemos com letras de entendimento sobre o que foi sofrido? Sempre que tentamos lançar luz nos sentimentos, nosso olhar se faz sol das cinco da tarde: amplificamos suas dimensões, deformamos a realidade em nova realidade medonha, comovente, cristã... e perdemos suas cores todas, projetando apenas uma enorme sombra no chão indiferente. Só sentir é sol de meio-dia, sentir é e não o sabe: não projeta sombras a serem pisoteadas no passeio público idiomático. 

Como tudo, os sentimentos não são puros! É limitação posterior de podermos apenas imaginá-los, a limitação de ilustrá-los, o desejo de exibi-los como nossa posse ou de nos exibirmos como posse deles, que nos faz inventá-los puros, discerníveis, e pretendemos que até factíveis aos demais. Mas os sentimentos não são distinguíveis ou insuspeitos como as expressões pretendem e muito menos se transmitem íntegros e fieis de um para outro indivíduo. Sentimentos não vão em cartas: um aqui se envelopa, outro lá se rasga! Se penso a vida como uma firma, leio no mural o documento: "Faço saber por meio deste memorando que o amor esteve aqui, foi sentido e deixou-nos as 14 horas desta segunda-feira eterna nas mãos de uma saudade enorme..."


Qualquer metáfora para uma saudade? Água que bebíamos, restou no jarro, um descuido sempre presente despejou tudo no rio. E agora? Como achar a porção que ali se misturou, como distingui-la? Então "jamais" é o som que o rio faz! Porém, há mais água vindo, uma sede esquece outra.  

Sentimentos vagos! Gritamos tanto seus nomes,  precisamos tanto torná-los reais, vivenciáveis, palpáveis. Queremos significar! "Homem Semanticus", que patético! Escoa de mim o tempo em que bastava a beleza! Assento minha personalidade atrás das rugas, atrás do prenúncio infindo da morte. Agora? Para lá com estas abstrações! Deito meu corpo no presente! Gosto de meu apetite como daquilo que está bem estabelecido, aquilo que não é preciso falar muito a respeito, que não depende de fé, de crenças. Aquilo com que se sabe estar em silêncio consigo mesmo. Com meu apetite me alimento e pronto! Não preciso de filosofias ou sermões. Finda a conversa nenhuma que é estar satisfeito. 

Enquanto "nós" somos difíceis e complicados. "Sós" somos mais simples, como nossos animais domésticos. Sou de mim meu animal doméstico, a mim mesmo domestiquei para "conviver-me"! Aceitei o transitório! Já não sinto como empecilho para a vida a falta do que passou. Peço o recibo do aluguel que pago na corrente contagem do mês seguinte! Nada está parado! Conformei-me cantarolando uma canção de Chico: "Passou este verão, outros passarão, eu passo." Então, quem pode suportar isto? Quem há sem querer deixar marcas? A princípio, com as janelas fechadas para nossa enorme nulidade e  incompetência, desejamos que o mundo sofra uma devastação de nossa ausência. Senão, ao menos alguém sofra, quem sabe um amor! E para melhor sentirem nossa falta, somos generosos em negar nossa intenção. Adequei-me ao presente e escorrego suave das mãos de um amor, sou dele um gozo e bem quisto ante mim mesmo, como num espelho generoso. Mas... e depois? Serei promovido a falta? Ah, desconheço minha competência para virar saudade! Mais ainda desconheço a capacidade do outro de senti-la. Tenho que ele saiba melhor menti-la que qualquer outra coisa!

Quantas vezes nos satisfazemos com as hipóteses vastas com pudor de vivermos a vida estreita possível? Aquela vida que cabe no agora, aquela que dá um sorriso sem sabê-lo, sem entendê-lo, sem calculá-lo! A vida que sofre "bulling" da esquizofrenia das possibilidades infindas. A satisfação maior com as hipóteses é um sintoma mórbido de gostar mais de viver desencarnado e ausente. Quem quis honrosamente viver como ideia escreveu livros e suicidou. Deixo o infinito cuidar do que penso, não me afobo a caminho de uma verdade platônica, vejo que é o mesmo caminho pra lugar nenhum. Por ora, vou ao que finda com tudo! Ergo-me no presente! Ontem um verso, hoje outro. Quero tudo aquilo para que tenho corpo, para que tenho vontades e para que falo esta língua.

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