a bicicleta no fim do corredor
virada para a parede
é o que resta desta vida:
sou pneus que esvaziam lentos
sem ansiar qualquer passeio
ou acreditar em encontros.
sou a preguiça a cobrar da vida razão
que ela não tem para me pôr em exercício.
a bicicleta desliza apenas nestes versos:
vielas tristes de arrastar meus sentimentos,
jeito poeta de engolir o tempo
como um antídoto contra existir.
existem como notas de falecimento a prazo
os objetos sem alegria assim deixados.
são flagrantes de desejos desbotados,
querer arquivado.
denúncia muda de minha volatilidade
a banhar-se na chuva insossa do descaso.
o destino dos sonhos realizados é oxidar.
o selim é lembrança que de ali
uma infância estatelou em mim.
a bicicleta virada para a parede adivinha:
"saber o destino desgosta o caminho".
"saber o destino desgosta o caminho".
só a questão "quando chegarei?" permanece
num timbre debochado da vida.
fosse filosofia de fugir de mim
e não de levar-me estúpido à padaria,
enchesse os pneus, pedalasse sem freios...
enchesse os pneus, pedalasse sem freios...
a pé, tardo na realidade!
o caminho achasse sua graça
no sentido de despedida.
o caminho achasse sua graça
no sentido de despedida.
mas não! a bicicleta desistida só me leva a
testemunhar mortes e mortes depois da minha:
ah viver em cores que desbotam,
brinquedos que viram tralhas,
amores que já não persuadem
nem no passado, nem no futuro.
a bicicleta me arranha parada:
"és horrível e não te amas!
pela vida tens apenas obsessão e teimosia!
gradativamente amar e odiar
"és horrível e não te amas!
pela vida tens apenas obsessão e teimosia!
gradativamente amar e odiar
se envergonham ante teu intelecto.
quem amaste e quem te amou
lustra à lucidez o desperdício do sentimento".
quem amaste e quem te amou
lustra à lucidez o desperdício do sentimento".
aconselha que me promovo ausente
não tomando as vias reais,
preservo-me ao menos imaginação alheia,
na forma gentil de saudade
ou senão alívio.
a bicicleta diagnostica
a paraplegia das jovens possibilidades.
gritando aos meus olhos
nossa utilidade inutilizada,
nossa alegria anêmica.
o freio, que era a segurança
desta liberdade em duas rodas,
que o equilíbrio de um ingênuo merecia,
que o equilíbrio de um ingênuo merecia,
tornou-se um acessório tragicômico
por sua excelência em nulidade
que é como ter juízo para conduzir uma vida sem graça!
o silêncio da bicicleta sabe um menino perdido e
que o abandono é o destino do que se faz posse.
conta-me que deus não sonharia existir
e declinaria do eterno erro de se replicar
pelo definitivo acerto de extinguir-se.
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