quarta-feira, 12 de setembro de 2018

NÃO FAÇO QUESTÃO

não é que tenho medo que façam de mim uma alegria ou um consolo, tenho a sabedoria do que me responsabilizarão por qualquer monumento meu quando já não puderem fazê-lo devoto de seu prazer. tornou-se insuportável a ideia de "me dar" à outra pessoa, de me comprometer a algo com ela. é simplesmente repelente suspeitar numa frase qualquer ciúme ou vigilância com relação ao meu corpo ou à minha presença. recuso-me a dar importância moral ao sexo, seja para degradá-lo ou enaltecê-lo, seja para chantagear moralmente um outro corpo. sempre me arrepiei de engano ao ter de usar a expressão para algum entendimento: "a minha mulher". ora! nunca tive uma mulher e nem pretendo tê-la. o odor de outro começa quando este considera pouco meu comprometimento com ele e demasiado meu comprometimento com a minha solidão ou existência, apodrece quando me aconselha, apetece-me evaporar se ele me exige. por certo, sou pouca coisa. pouquíssima! aliás, não tenho pudor de ser coisa pouca para o outro, coisa má, coisa culpada. ele é tão "outro" que não intui  sequer que não me "comprometo" com minha solidão, eu a "descubro" cada vez mais. apenas isto! é tão fácil distraí-lo de sua solidão, servem-lhe dramas corriqueiros, novelas, noticiários... ocupo-me de mim, que posso mais? o que você me sugere? de maneira que, por mais tenebrosa seja a solidão, é no outro que ela se torna mais plena. não! não é entre paredes ou imaginando um mundo "irreal" que estou sozinho à pior maneira. as paredes e o crânio são apenas artefatos de privacidade e segurança. como animal, estou mais ardorosamente só na hipocrisia fundamental da civilização. nunca estive tão só como entre os importantíssimos filhos de Deus, para quais eis o mundo como herança de cristo e a vida como uma fase de testes. e meu cidadão, só se dando um pouco à hipocrisia dos homens que reclamam, goza de alguma proximidade. ah, os populares! o que chamam de "felicidade" me embrulha o estômago. não posso lhes ouvir dizer que algo é importante sem mentalmente tornar-me um astronauta e lançar-me para longe desta galáxia. quem quer que pinte a realidade com demasiada gravidade (importância) está sempre atrás de uma mula recheada de compaixão. sim! outrora quis resolver a questão "relacionamento" em minha vida, hoje percebo que não há esta questão. mais, não me importo com quem sou, com de onde venho e para onde vou. estou satisfeito quanto a estas "picuinhas" a tal ponto, que me basta o leviano alcance em biologia. saber quem sou seria me tornar estático, pois algo que pode ser possuído por uma sabedoria deve obviamente estar definido; saber de onde venho me mostra algo gosmento e saber para onde vou me enche de vermes. não sou de saber, sou de me gastar - eis o que é o bem da sabedoria! se sou algo, é antes desconfiado com o verbo. pois sim! não faço questão, entendo que a vida não é resposta, a vida não é nem mesmo "algo" e muito menos "algo a ser solucionado". de dar fim, a morte se encarrega. se me vejo a rir com outro, rio de nossa impotência, de nossa tragicomédia, de estarmos sem saída e de não podermos nos fazer satisfatória companhia, mas ainda nos podemos dar risos e bons momentos. qualquer amizade que tive e terei deverá ser sempre obra de uma arte frívola e superficial, pois se vista - por exemplo - profundezas como esta, o ser moral se desagrada como quem presencia vísceras putrefeitas. assim sendo, o único deus que concebo é aquele que nas ruas me diz "Vá pra casa!"

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