quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

NO MEIO

do rosto
dois olhos de crença

da estrada
o polegar raquítico

da pança
a criança entre vermes

das pernas
a única saída

domingo, 26 de janeiro de 2020


Na copa do engano


Ao notar o teor enfadonho dos  caros anúncios das mais diversas áreas, vejo que o "sucesso" muito pouco ou nada provém de aptidão na respectiva atividade, mas de sua promessa de simplicidade, economia  e rapidez; ou seja, do seu charlatanismo. Seja o assunto religião, filosofia, política, relações afetivas ou finanças... na próxima propaganda, na mídia disponível, reverberando na fala de um amigo, assim que abrimos os olhos, na esquina ou clique, a promessa de sucesso fácil nos será lançada como uma rede de pesca. Concluo: o homem é um símio que, sem habilidade para viver de uma a outra copa de árvore evitando os perigos do chão, pula de um para um novo engano por medo de pisar tão dura realidade. Por que somos tão predispostos ao engano? Ora, olhe o passado! A sinceridade na relação entre homens sempre estalou um chicote. Não teria se tornado atávico: "É melhor acreditarmos!"?

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

o que não é deitar contigo
é uma espera rota de amar
a secar no varal de ideias
que chovem sem molhar

agora preciso viver o não pensado
planos de folhas em branco
de expectativa

viver o que vier
nas ruas de terra
repletas da gente possível
que passa risonha com as sacolas do dia
rumo a um nunca mais sem distância certa
e sequer suposto.

sem te amar o corpo possível
restam apenas cálculos tristes
esboçando direto na cobiça da falta
o que amar seria

fazendo da cama leito
feito de enfermidade acomodada


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

a direita sempre arranja seu séquito, porque viver está muito ligado a uma dada porção de não nos importarmos com os outros.

BOLINHO CAPITAL

Numa superfície plana, adicione 1 kg de Medo e Tolice e 10g de Esperanças Descabidas (se não tiver da Descabida, pode usar da "Improvável" mesmo) para fermentar. Em seguida, com uma colher de sopa oportunista, forme uma concavidade na massa e despeje aos poucos 1 dúzia de Promessas de Prosperidade (de Sucesso ou, na falta destes mais convincentes produtos, use a tradicional promessa "Além Vida" mesmo, já não funciona muito bem, mas ainda dá liga). De uma jarra cheia, vá despejando Respostas Fáceis dissolvidas em Soluções Imediatas. Agora vá mexendo com a colher (Para não sujar as mãos, pois a massa estará ainda muito grudenta, querendo se agarrar a tudo que possa fazer justiça. Mesmo que com suas próprias mãos). Mexa com a colher até a massa ganhar consistência e começar a formar bolhas de ânsia. Unte as mãos com um pouco de sabedoria e inteligência e inicie a sova. Importante não exagerar em sabedoria e inteligência, porque você pode perder o manuseio da massa. Portanto, aconselha-se usar a Inteligência e a Sabedoria da marca Charlatanismo, pois esta garante sempre um bom manejo. Não exagere na sova, pois a massa poderá entrar em agonia. Para evitar que isto aconteça, em curtos períodos regulares, salpique Responsabilidade e Ansiolíticos sobre toda a massa de maneira que ela não endureça se revoltando. Quando ela estiver com aspecto homogêneo, deixe-a descansar em quarentenas místicas. Realize o processo por baixo dos panos, para que cresça. Quando ganhar volume exuberante, divida-a em bolinhos bem vulneráveis a serem abocanhados, e numa Panela de Grande Mídia, de preferência bem escura, aqueça 500ml de Culpa do Governo (se não tiver, use a Culpa do Comunismo, na falta desta serve qualquer Culpa dos Outros mesmo). Aqueça a culpa na Panela da Grande Mídia até começar a soltar fumaça. Então, mergulhe bolinho por bolinho, para evitar que as explosões sejam significativas a ponto de queimar a empresa. Quando estiverem bem fritos, sirva em bandejas de ouro para os convivas. Pessoas românticas gostam de servir na cama!  

Nota de cuidados: É imprescindível isolar os bolinhos sob o pano para que com o crescimento eles não se reúnam, entendendo-se como proveniente de uma só massa, o que poria tudo a perder. Para manter a separação, sugere-se acrescentar entre os bolinhos minoritários, que formam o todo, um pouco de fobia das mais diversas (homo, xeno, assim como misoginia...) É muito eficiente para isto, pincelar em suas superfícies somente Gemas de Preconceitos, evite a Clara, clarear não é bom! Também é aconselhável borrifar Complexos de Superioridade e Inferioridade. 

Obs: A porção é bem pródiga, sua proporção consome um milhão de tolos medrosos e esperançosos por cada gordo milionário. Ou seja, para 200 convidados pra festa, você necessitaria de 200 milhões de tolos medrosos e esperançosos.






segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O derradeiro desgosto

A ausência é ora neutro esquecimento; outra, tema entusiasmado em saudade e em demais apreciações, porque comungam. É corriqueiro que se crie em quem falta aquilo que falta. Sobretudo quando faltar não denota um ato de negação aos afetos, mas a inexistência.
Sentem a nossa falta porque somos agora maleáveis em suas imaginações.  Irmãos, amigos, pais, filhos, mães... 
Quem reclama o ato de um suicida,  reclama por sua presença! Ou seja, reclama o ato derradeiro antes deste se ausentar. Suicídio é tão só o último agir adverso ao que esperam de nós. O último desgosto que damos.