sábado, 20 de novembro de 2021

Efeito colateral civilizacional

muito da delicadeza, gentileza que entregamos ao outro está no silêncio que fazemos e de alguma maneira nos custa. é um "não-ato", não obtém reconhecimento mesmo de quem com tal omissão favorecemos. por isto é tão difícil calarmo-nos, comportarmo-nos assim! mas quanto nos custa deixarmos de ser espontâneos, calar em prejuízo da vontade, em nome do convívio e das necessidades civis? ou quanto custa não falar em linha reta em prol de não magoar? quanto tempo e intelecto despendido? o que nos acontece por dentro em decorrência disto? em outras palavras, em decorrência de não sermos mais crianças? ou seja, por consequência da civilização e suas boas maneiras?

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

NÃO SONHO COM REALIZAÇÕES

meu sonho é sonho, não sonho com sua realização. termina quando acordo, às vezes sem deixar claros vestígios de haver acontecido em sua dimensão onírica. acaba quando cumpro obrigações contratuais da vida cotidiana. e é retomado num ócio em sua autossuficiência de não pretender assumir a matéria das coisas que me cercam tal obstáculos, as coisas que se dispõem a um uso mais pleno e opressor de meus sentidos e estão sujeitas ao cotidiano gravitacional. coisas que por suas formas, e não por nossos desejos, obrigam-nos a lembrá-las e a percebê-las, agarrando-as ou desviando delas. pois desta forma os sonhos perderiam seu poder, encontrariam os obstáculos físicos e estariam em breve cansados de ser, como tudo que acontece na materialidade! não atravessariam mais as paredes de meu quarto, não abraçariam mais o meu gosto, dariam com o nariz na porta! não teriam esta afinidade que tem com meu bel-prazer. tivessem então de preencher cadastros, dar entrada em processos burocráticos, carregar protocolos, comprovantes disto e daquilo, documentos, me disporiam a sacrifícios diversos comezinhos e cotidianos, como um roedor do tempo, da vida. me sujeitaria a prestar explicações aos outros de seu itinerário, a acordar cedo, escovar os dentes de rir, calçar os sapatos, ir ao trabalho... gosto do caráter do sonho, de sua imaterialidade, de livrar-me dele lavando louças ou embarcando em outro pequeno delírio, de retomá-lo. a liberdade do sonho me seduz! gosto de seu imediatismo, dele estar livre dos contratos e políticas; amo seu caráter antes "fruto" (resposta) e não "promotor" do caos . não quero estreitá-lo em camas, mesas e banhos da realidade comum. pois sim! pode soar contraditório que eu cobre do sonho alguma relação com a realidade: a verossimilhança; que ele tenha o tempero da possibilidade. mas é que um sonho pede entrega; logo, exige alguma credibilidade. para, convencendo, converter sentimentos apáticos em animados. e  eis ai seu grande feito! sim, ele é mais intenso quando aparentemente possível, mas não esqueçamos que "possível" é ainda o não-concretizado com aptidão maior que o real para nos entregar prazer, e assim conduz nosso comportamento. o sonho tem um poder incrível enquanto sonho mesmo, sem precisar de pontes, projetos que visem sua materialização. enfim, meu sonho não é algo saindo de mim para chegar à realidade, é a contramão disto: a realidade se ajeitando para se manifestar gozo em mim.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

não quero brincar com as emoções no sentido de enganá-las. quero levá-las a um passeio num "parque de diversões" com estas sabendo que se trata de um "parque de diversões". você gostaria de salvá-las para um altar e jurar-lhes eternidade? bem, talvez este seja o nosso grande erro! 

não espero da vida mais que a vida; nem do desejo, mais que o desejo. quem não sabe se dar a uma tarde boa, se desculpa que só se dará a seriedade do eterno. talvez não saiba se dar à vida porque não é eterna e não tem garantias. ora, é errado culpar tardes descompromissadas e espontâneas por nossas frustrações, elas advêm de nossa pretensão e expectativa ignorantes do real.