quinta-feira, 27 de junho de 2019

UMA DEFICIÊNCIA

Se nos cientificássemos do quão a vida é sem garantias e curta para condicionarmos seu gozo a encontrar um par afetivo, não nos consumiriam mais muitas angústias. Não gastaríamos nem mais um instante ansiando por um amor escondido, dando créditos a ter de encontrá-lo. Desprezaríamos em nós o que compusesse tal pretensão e preencheríamos nossa vida com a construção dos afetos que se soubessem fazer presentes, manifestos, possíveis. Perceberíamos que ter por imperativo na vida a necessidade de uma  companhia é um sequestro que cobra caríssimo o resgate de nossa solidão.

A proposição "O homem é um ser social" - em certa maturidade e sob certo ângulo -  infere muito mais que não podemos deste caráter nos libertar do que o desejamos. O que quer que apreendamos na solidão - mais independente - não contribui na fabricação da falta, da melancolia, do maldizer, pois não nos torna um pedaço. Cada vez mais, contemplaríamos o artificial e o superficial como condições bastantes e satisfatórias de relacionarmo-nos. Ocorreria então um processo de adaptação que nos viria entregar um orgulho prazeroso ao retornarmos aos nossos lares, ao passarmos a chave na porta, ao deitarmos em nossas camas no término dos dias. Sozinhos e suficientes. Pois não é a solidão o que dói, mas  a imaginação excitada à expectadora de amores românticos. É o desabituar-se à solidão o que dói. É, portanto, o fato de termos aprendido a creditar nosso prazer num ideal "romântico", "religioso"... Enfim, um ideal no além, no futuro, no alheio - em possuí-lo e nos tornarmos sua posse. Tal "necessidade", assada na forma de um sonho, seria flagrada então, claramente, como uma deficiência. 

"Quem quer que o deixe por conta de si mesmo, de que o absolve, a que o condena?"

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