terça-feira, 26 de maio de 2020

TRECHO DE "O IDIOMA DA CARNE" (E-book publicado em 2014, escrito anos anteriores)



Assisto a um documentário sobre ditadura. Depois desço. Como são horríveis e tristes e sempre serão todas aquelas torturas! Como esse sangue não escoa! E a paz de agora? Sim, em contraste, até parece uma imensa paz sentar na esquina e tomar uma fresca. A gente diz, “Vai tudo bem!”. Hein?! Tocar um samba em coro. Mas de repente, percebemos num discurso exaltado e aplaudido que é horrível ainda, pois aqui e ali se vê claramente que as pessoas ainda não são, talvez nunca sejam, a maioria delas, mais inteligentes. Elas cultivam certezas, convicções perigosas, deixam-se levar por discursos aparentemente absolutos que são superficiais e que refutariam facilmente se parassem um pouco. Ora, têm preguiça de ir mais longe, de questionar, é uma desonra duvidar de si mesmo e aí se compromete o conhecimento! É a tevê, o pastor, o autoajuda, todos gritando repetidas vezes com coloridas ilustrações: “Acredite em si mesmo! Acredite em si mesmo!”. A dúvida se afigura horrorosa, repulsiva! Enfim, todos esses rapazes, nossos amigos, senhores dóceis de família decente, estão sujeitos a protagonizar um novo holocausto, basta lhes entregarmos algumas certezas que lhes sejam convenientes. Fico tentando entender como um militar espanca tranquilamente a mãe de outro, enquanto o outro militar espanca a sua mãe, como um homem pode ser antes militar que homem. É triste ver como é parca a abstração do povo, como são cegos em sua fúria. Demonstram em suas fraquezas, em seu racismo, seu ódio e pouca compreensão, em sua sede de vingança, em seu desrespeito pelo próximo, demonstram as mesmas condições para praticar velhas e condenadas crueldades. Torço para estar enganado. Ora, mesmo com toda lição... Nunca aprenderão! Não adianta a história quando nossa capacidade de leitura continua limitada, tola, partidarista, preconcebida! Há tolos de todos os tamanhos, doutores, leitores de Dostoiévski, Nietzsche, Kafka, simpáticos garis e pacatos feirantes... Ainda continuam tolos, extremamente confusos, medrosos e mesquinhos. Porque não é o que leem da vida, mas como lhes resta ler, como lhes é empurrado e o pouco que movimentam os teores na cabeça, quase nunca repensam, adoram assuntos encerrados. São feitos mesmo para obedecer, para admirar a obediência cega como honra, patriotismo, ou qualquer coisa que seja virtude em seu tempo. Nenhuma questão e sim pontos finais afirmativos, sentenciosos! Talvez não haja jeito! Confiam demais em si mesmos e em suas opiniões ferrenhas. Friamente matariam sob a égide do que acreditam, é como sempre tem sido! Consciências tranquilas! Velhos torturadores que chegam em casa e dão um beijinho de boa noite em seus filhinhos. Consciências tranquilas!

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