quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

SUTILEZA

sutileza era o segredo! não são as fomes de minha infância que atenderei: não tenho a mesma capacidade de  sonhar, de me iludir, de me contentar com mundos longínquos. e se imagino ainda, não anseio que os acontecimentos sejam mais generosos do que puderam ao longo de minha vida. meu passado é um rabo pesado demais pra que bípedes expectativas tolas me movam por suas curvas capciosas: depois das sinuosidades, sempre há um eu prostrado; não quero as coisas por tê-las esperado, quero degustá-las, apertá-las, sopesá-las... não preciso descascá-las com ciência, não quero desenfeitá-las! basta-me inaugurá-las nuas com uma poesia. 

a infância acabou! não há um grande amor como miragem de um deserto. há suficiente, a cada instante, o instante que se desenha: a beleza numa mão que repousa ou que segura um objeto; o frescor do tato da água que bebo e me banha; e aquilo silencioso que abre o olho de uma volúpia que cochilava... pois é isto! pequenas coisas, nada pretensiosas de transcendências ou profundos significados! nada me supondo doente e querendo me curar, me calar num átimo como quem atira contra o crânio. 

é assim, meu amigo! a eternidade acaba dando luz ao que acaba: o vento nos cabelos de uma mulher represando os olhos de um desejo; o aroma úmido de um trecho do caminho; em suma, a beleza do perecível que acende a preciosidade do instante, brilho que se apaga de ser sensação... não há o grande amor, me alegra o toque de uma manhã fresca, no corriqueiro vestirei um aroma de café e não tomarei nenhum grande ápice por meta... presente, vejo passar afobados os gananciosos que sobem pro futuro! para mim, que caminho há senão este que se estende até onde já não terei sensibilidade? então... por vezes aguço os sentidos, como um cão apenso em orelhas eretas; por outras, encosto as pálpebras de bicho saciado. 

que quero é curiar com as mãos a textura das cores, achar distraído o mundo novo e suas formas outrora abandonadas pela prepotência racional de entendê-las prejulgadas. me sentarei, por sorte, à beira do caminho-sem-conceitos, onde capturo o calor do sol para depois gozar mergulhá-lo na cachoeira possível. 

a existência de um deus? para que sondá-la? basta uma chuva que me ache e lavo deste menino o velho senhor sisudo impregnado. menino que não sonha nenhum trono de sua cadeira de varanda. aqui, onde encontra convivas com a sua humilde possibilidade de gente, me regam estas pequenas cumplicidades da amizade capaz de ser com o que é humano. por ora, usufruo este riso que adivinha outros mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário