quarta-feira, 3 de setembro de 2014

SEPARAÇÃO







a minha memória tem pinceladas de tristeza. como ter ficado só com a mesa. essa mania da minha lembrança. de todos os móveis que tínhamos e algumas coisas outras tecnológicas, que gelavam e aqueciam alimentos, como o DVD do Woody, por exemplo! E a voz de Angela Ro Ro!, "depois disso tudo, eu ficar só com a mesa amarela com a risca larga branca, grossa no meio!" - é de expressar indignado mesmo, sem dúvida! a mesa... só porque foi a penúltima coisa, antes da porta, que eu olhei daquela nossa casa. aliás, "nossa" eu já não vejo há muito tempo, coisa alguma que seja "nossa". eu lembro da mesa, porque foi lá que você se despiu, cheia de mãos, mãos que tinha para me acertar a cara e não usava de desleixo. aquelas mãos enfim, foi porque escreveram elas mesmas, o bilhete e, elas mesmas, depositaram, sobre a faixa branca aliás, larga. no meio da mesa. entremeando migalhas de pão que seus dedos amassaram. o bilhete. a última coisa que eu lembro. a minha lembrança tem maus costumes, manias feias. eu até não confio em mim, por conta dela. mas a mesa era amarela, ela se agarra à lembrança, a lembrança se agarra nela. amantes perfeitos invejariam de que jeito isso se dá. esses dias quase fez uma canção com duas coisas: você e a mesa. canção que se deteve só numa rima. escapou de arrebentar nas rádios, ao menos as que poderíamos sintonizar. "ela, amarela!" - era o verso latejante e miserável, arrastando-se na minha cabeça locada pelo passado. "isso ninguém me tira!" - diz a memória, que tem manias e continua dizendo, pedindo desculpas: "só não lembro, além de adeus, o que mais dizia o bilhete contrastando seu caráter tarja-preta sobre a faixa-branca da mesa amarela. depois disso tudo, "a mesa de nossos encontros matinais (é de se expressar indignado mesmo!) ser só lembrança?!" se dar a desbotar de existência. é duro, querida. aliás, "querida" é falta de upgrade no meu sistema.

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