quinta-feira, 3 de novembro de 2016

EU JÁ SABIA

Olha, Laura, claro que fui descendo a rua de nossa separação cabisbaixo. E se descia é porque vinha despencando do auge de alguma euforia. Na verdade pode ser que a rua subia! Estava tão em mim, nem sei lhe dizer se chovia naquele... dia? Ah, aquele momento me fez um sujeito sem cenário, pisando ideias tantas... Palco de que seria? Lembro agora, flagrando meu engano, que eu pensava que você chegaria por trás, colocaria a mão no meu ombro e me pediria pra voltar... Ia por ali por aquela rua de ir, que em certa altura ainda poderia ser a rua de um resgate. Porta batida, virá Laura atrás de mim? Cada passo me encaminhava mais ainda pro "nada valho!", aumentando a distância de ti e as impossibilidades de minhas fantasias. E as ideias tantas numa verdadeira algaravia! Pensava também que você não viria, tardava um próximo passo de ir, mas meu orgulho tornava a pisar adiante. Quiçá eu parecesse um bêbado pra quem via. Transeuntes outros, que me causassem algum pejo de existir, havia? Não sei se entrava num beco sem saída, numa rotatória, numa rodovia... Imaginei nas minhas costas você vindo, mas tive pudor, medo também, de olhar para trás e redundar uma indiferença da realidade na rua vazia. Esperava só o peso de sua mão morna em meu ombro. Ah, a rua vazia... Terei olhado e visto ou só com ouvidos na ausência dos seus passos percebia? Esta indiferença que na vida eu tão bem conhecia! Desde mais moço, quando, "praia programada", chovia! Tanto imaginei, que deixei pouca possibilidade para as surpresas. Tudo eu previa naqueles meus passos sem destino. Inventava coisas além do abandono que cada vez mais se estabelecia. De maneira que qualquer coisa que acontecesse arrancaria de mim: "Eu já sabia!" Ah, Laura, a solidão, um pouco, nos acrescenta uma quase onisciência inútil à alegria: a consciência dolorosa das possibilidades que não acontecem.

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