quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

O SOL DE TUDO SE PÕE











faz tempo fresco na esquina. as cadeiras são simples. o dono do bar cochila. eles permanecem sentados estranhando a mesa entre eles: "quem sentou primeiro?"; "quem possui o quê?'; 'quais são os direitos nesta sociedade?" compartilham um sutil prazer de sombra de amendoeira em dia ensolarado. nada na mesa. seus interesses não encarnaram até que ela estica o indicador pedindo carona pro álcool. não bastando o gesto da moça, ele se ergue e vai até o balcão. ela conhece as costas dele. mas as costas dele não doem nela como a de um amor que encerrou dobrando a esquina de outra história. o comerciante acorda de um sonho numa vergonha do descuido e esconde no frostfree a cara de sono. a garrafa numa mão e dois copos n'outra. um sorriso  afirmando o que se passa reveza seu rosto com a dúvida se deveria isto estar acontecendo. ele cantarola e ri: " há meros devaneios tolos a me torturar..." ela ri como se, além de na rádio, eles estivessem sintonizados nos pensamentos. ele acredita naquela sintonia, porque somos tolos, todos! graças a deus! se um deles dissesse: "Tá pensando o mesmo que eu?" o outro confirmaria. se ficassem na palavra, haveria o respectivo prazer de achar que há um perfeito encontro. mas se o pensamento brotasse acontecimento, ele estaria num motel e ela no primeiro pedaço de uma porção de torresmo. ah! o engano nos contenta! acatando seu sorriso como  suficiente, ele não questiona nada! ri mais e ela como um espelho reflete o riso cada vez menos inibido. palavras... ele não as faz, segue o fluxo da música "há tantas violetas velhas sem um colibri..." - quase despindo duas intenções  de macho, cala-se pudico! colore metade da transparência do copo de dourado. ela pensa: "ouro!" a espuma faz densa um branco vir à tona. os vidros embaçam. uma leve brisa solfeja o som das folhas caídas, secas de deserdarem o verde, o castanho crepitando no asfalto se mistura com o farfalhar das folhas presas à copa da vida. é o som dos vivos homogêneo ao dos mortos... confundidos assim como as palavras que agora trocam e que trajam a rigor as intenções: "Como quer que eu te chame da primeira vez até não haver mais necessidade?"; "Como lhe pareço?"; "Sorte!"; "Sorte é quando um acaso se fantasia de Deus! Gostei!" - As ideias confundem o propósito e o despropósito de um no outro. Os olhares se cruzam com a fome prazerosa de não se conhecerem. "O amor só existe à primeira vista. Todo resto é desbotar no curso pro fim! Meus olhos fecundam os seus e uma vida começa... Não sabemos até quando!"; "Sim, meu amor: o Sol de tudo se põe!" 







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