segunda-feira, 8 de julho de 2019

INALCANÇÁVEIS

tantas coisas me passam, voláteis... enquanto dirijo, enquanto como pipocas, enquanto uso o sanitário, no meio da leitura de um parágrafo... um decolar das objetividades! de repente, desejo de escrever um livro, de fazer um samba num dia de sol como ontem... uma estranha potência para a vida, um gosto de uma saudosa fruta perdida na boca, sem a fruta mesmo e o trabalho de plantá-la, cuidá-la das pragas, colhê-la, mordê-la... a fruta das ideias, as sensações... essas flores-sensações, alimentadas no esterco da ignorância, do esquecimento de tudo que ainda pouco nos desnorteava: pensava em resolver-me com um fim, uma lâmina, com monóxido num quarto... parece que sem a ideia do suicídio, não posso mais viver! preciso sempre estar a batucar, a testar a porta de saída. 

voltemos a ontem! batucava no volante, no trabalho... batucava um entusiasmo meio orgânico, que não era fruto de um resultado, mas pura sensação de ter sob os pés, talvez, um mesmo mundo que tive moleque, ingênuo, mais inventor que descobridor de tudo; assim, menos oprimido pelo que via, mais gozador do que inventava. ah! quando o mundo era ainda uma argila maleável, depois virou esta pedra dura e seca, este tumor no pensamento, cada vez ganhando mais terreno pra angústia, e inclinações suicidas. não era um resultado, não era pois produto de um mérito aquela sensação boa de ontem... que durou até o sol se pôr. a ausência de cálculos, isto sim!  

mas se alguém me dissesse para então pôr em prática... parar o trabalho e tentar organizar uma roda, levar os equipamentos para um bar e ir tocar... importunar as pessoas já tão convidadas por tudo, vendedores comissionados, propagandas, distribuidores de panfletos... as pessoas querem ir e encontrar, e não sair para promover nada! na folga elas querem se esticar, comer a torta e não fazê-la, sujar a cozinha, as louças e ter de lavar...


me pego a pensar em todas as tecnologias que nos fazem poupar tempo: geladeira, máquina de lavar, fogão, celular, computador, internet, whastssaps, skypes, uma filha em londres nos evocando numa cozinha em tókio! tudo necessitando de atualização, gerenciamento, consertos infindáveis, notícias, remédios, químicas para permanecer, químicas para findar, químicas para nascer... formatações para nossa cabeça, para nossos aparelhos de viver em cacos... para viver num mundo suposto! tecnologias que tornam a vida mais prática, consomem menos tempo: mas ora, diabos! deus! pra onde foi este tempo? as pessoas parecem-me mais quebradas, divididas, descontinuadas, híbridas desaustinadas, sequiosas de silêncio, natureza... exaustas de mensagens, letras, anúncios, convites, promessas, ódios apregoados, perdões solicitados, culpas incutidas... por fim, a roda de samba, o livro... estragava tudo ensaiar transformar estas coisas em realidade. 

pois é isto! sinto-me muito inclinado a não ocupar espaço, a evaporar... toda requisição fede a erro crasso! é só comigo mesmo o mundo legal, o outro só tem a destruí-lo! não sei como posso existir depois de ter existido. não sei como me atrevo a continuar, sou um constante desaprimoramento, venho rolando pela escada de qualquer decência para as manhãs que nascem, óbvias e claras! a moça que não respondeu, o devedor que não me deu bola e me fez de otário... tudo me redunda o erro de ter sorrido pro outro, de ter me dado ao convívio. 

a roda de samba, o livro escrito seria para meu filho... pobre!, que lhe dizer? que está errado o idioma, pois não dá conta da realidade?! que realidade melhor que esta limitada, qual nos fornece a ilusão que damos conta de algo?! pobre menino a ser dado a isto que é apenas "isto": nem vida, nem mundo, nem ordem, nem país, nem nada... uma selvageria disfarçada, mil vezes mais astuta, ardilosa do que a lebre na boca de um tigre, mas ainda "a lebre na boca do tigre"! que lhe dizer, augusto? que os cálculos são uma tolice?  talvez você "nasça pra estupidez da matemática e ache nisto sua maior alegria!" um livro pra ele... ora, que ele desfrute do que quiser, aponte em mim loucuras, infâmias, crie seus valores em admiração e contraposição... não fui fazê-lo, fui ter um gozo! ele é outro, alheio, como tudo... apenas abraçá-lo, ainda que não seja meu, cuidá-lo, para que ele sirva sem doer a este mundo! apenas ele quero aqui fora, por ora... se houvesse mesmo mérito, eu seria indesculpável pai! 

na minha cabeça, sentimentos passageiros, tecidos de uma maneira imprecisa, disforme, mista, escorregadia; diria que se trata de uma boa sensação vestindo os retalhos de bons momentos passados: escritos, rodas de samba, beijos, o ar em torno de mim, flutuando, jogado pro alto por meu pai... sensações, nada mais! quando penso na roda de samba íntegra, real, em produzi-la, me desgosto! sente? as pessoas, os lugares reais em que isto poderia acontecer... tudo maçada! culpa! imprudência! sente? se sente, é só seu! você está só, aí, do outro lado da palavra, do vidro... somos inalcançáveis!

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