sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

" AH, MEU FILHO!"


na minha cabeça mora uma senhorinha, que dizia de fora pra dentro em circunstâncias diversas com inflexões pertinentes: "ah, meu filho!" - esta expressão era como ilustrar uma vida que sentíamos juntos, como se viéssemos de adquiri-la com sacolas pesadas, a carregá-la para dentro ou para as margens de nossa existência. às vezes, fomos soma ao peso um para o outro: "preocupação, ocupação, deveres morais, empecilho a uma sonhada liberdade..." mas a maior parte do tempo compartilhávamos em alças os fardos de existir, outras, que parecem poucas, víamos o que tínhamos não apenas como o que restasse. em sensações a vida por vezes é algo que possuímos como delícia e outras é algo que nos possui como escravos, nas melhores vezes somos uma coisa só com a balança do saber quebrada. quando a sua carga era particular, eu dizia coisas de consolo e motivação: "calma, minha velha!"
bem... o caso é que esta senhorinha se mudou da realidade de ser por si na cadeira, no corredor, na pequena morada... vez por outra, como ontem, chego na casa em que comigo ela morava e, ante a cadeira de sua ausência na garagem, ouço-a dizer, agora de dentro pra fora, aquela mesma frase: "ah, meu filho!" - é o peso da vida que se anuncia inteiro pra esta metade. há uma espécie de lamento meu na voz dela imaginada. o peito esfria. carro estacionado, passo pela cadeira no corredor contíguo como quem fura uma onda gelada que me poderia prostrar. então o demônio monta a oportunidade e questiona a senhorinha sonhada: "jura que não volta?" e deixa que responda o ruído das coisas indiferentes da concreta realidade. "ah meu filho!", nunca mais.

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